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Na Folha de São Paulo, advogado critica decisão do TSE de empossar Maranhão

Em artigo publicado na edição desta terça-feira do Jornal Folha de São Paulo, o advogado Víctor Gabriel Rodriguez, professor doutor do Departamento de Direito Público da FDRP-USP (Faculdade de Direito de Ribeirão Preto), faz críticas à decisão do Tribunal Superior Eleitoral de dar posse ao segundo colocado nas eleições de 2006 na Paraíba.

Em artigo publicado na edição desta terça-feira do Jornal Folha de São Paulo, o advogado Víctor Gabriel Rodriguez, professor doutor do Departamento de Direito Público da FDRP-USP (Faculdade de Direito de Ribeirão Preto), faz críticas à decisão do Tribunal Superior Eleitoral de dar posse ao segundo colocado nas eleições de 2006 na Paraíba.

Veja o artigo

 

Democracia ou desrespeito ao voto?
VÍCTOR GABRIEL RODRÍGUEZ

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Na destituição, por ordem do tribunal, do governador, a sensação do rigor não se compensa pelo dissabor do ataque à soberania do voto
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A MUDANÇA de governo no Estado da Paraíba e a quase anunciada troca de poder no Maranhão, pela força de decisões do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), desvelam questões que não têm sido discutidas com a devida eficiência.
Demonstro que, tal como tracejada a tutela dos direitos eleitorais pelo Judiciário, suas decisões, por mais bem intencionadas que sejam, podem apresentar consequências deletérias ao contexto democrático.
Não posso criticar a intervenção do Poder Judiciário no processo eleitoral direto porque fazer cumprir leis, após observação rigorosa dos direitos de defesa, como tem ocorrido, compõe interesse público. E tal interesse, reto, suplanta qualquer proveito político-partidário. Nesse ponto, o rigor com que tem agido o Tribunal Superior Eleitoral dá prova do desapego à opinião pública, virtude da Justiça.
Tampouco passa despercebida a força exemplar intrínseca às sentenças severas, a projetar para o futuro suas consequências. Trata-se de um efeito próximo ao que, no Direito Penal, se chama prevenção geral negativa: a extrusão, pelo tribunal, de administradores públicos que atuaram irregularmente nas campanhas eleitorais disciplinará os próximos pleitos, por conta do medo difuso de se receber punição análoga. Creio ser esse efeito pedagógico o principal móvel do rigor que os julgamentos eleitorais assumiram de tempos para cá.
Apenas arguo se é recomendável a exclusão “ex post”, ou seja, posterior ao pleito, do ocupante do cargo político, vencedor no escrutínio. A justiça dessa decisão parece-me falhar nos meios e nos fins.
Porque a balança começa a se desequilibrar já quando se nota que, nos recursos contra expedição de diploma e afins -ao contrário do que ocorre em um processo-crime, mesmo eleitoral-, há um interessado, alguém que, coloquialmente dizendo, lucra com a condenação alheia.
Entenda-se que quem move tal ação eleitoral não é o Ministério Público, a quem ali incumbe pouco mais do que fiscalizar, mas a coligação preterida nas urnas. Duas partes digladiam-se: a coligação que pretende o poder e aquela que não o quer perder.
O desequilíbrio completa-se com a falta de paridade na averiguação da higidez de campanha: somente a parte vencedora na urna é submetida à sabatina judiciária da regularidade de campanha, enquanto a parte que pleiteia o poder, em regra, não sofre semelhante devassa. Em tempos de cifras negras de irregularidades eleitorais (que sinaliza uma lei anacrônica), surge o risco de trocar-se candidato ruim por outro pior.
Com a paridade corrompida, basta lançar luz ao que resta: o que deveria ser um exercício do interesse público na regularidade de campanha transforma-se em tentativa de inversão, judicial, do pleito popular -uma nova disputa, em novo tablado, mas com as mesmas regras. Explico: como um microssistema, o discurso de advogados não é em quase nada distinto do discurso publicitário. Mudando-se o público e a linguagem, a tribuna preserva parte das fissuras da campanha eleitoral: discursos emocionalmente persuasivos, argumentos de autoridade, influências e até problemas não muito distintos em relação ao financiamento de seus protagonistas.
As vicissitudes seguem as mesmas, a não ser que se assuma que os juízes têm convicção mais legítima, porque muito mais ilustrados. Mas essa afirmação é ainda mais arriscada, pois enfrenta até mesmo a razoabilidade: para se comprometer a capacidade de decisão do ser humano, por exemplo, no Direito Penal, é necessário que ele seja de todo alienado ou esteja sob coação irresistível -e não é essa a situação do eleitor que elegeu candidato usurpador da máquina pública ou corruptor dos meios de imprensa. Os motivos para declarar-se que um eleitor decidiu de forma não-livre, em voto secreto, devem ultrapassar a propaganda abusiva, sob pena de menosprezo à capacidade de livre-arbítrio.
Se os meios estão desequilibrados, os fins tampouco os compensam. Fácil é notar que, no processo de destituição de um governador por ordem do tribunal, a boa sensação do rigor com a regularidade das campanhas políticas não é compensada pelo dissabor do ataque à soberania do voto.
Quando se leva em conta, ainda, que muitas vezes o voto do eleitor consiste em uma decisão negativa, ou seja, a decisão sobre quem não deve ser eleito, a diplomação desse negativado pelo escrutínio popular soará a afronta.
Não se pretende que o Ministério Público e o Poder Judiciário curvem-se ao pouco caso que candidatos fazem às leis do voto. Mas há de se advertir para consequências sistêmicas do desfazimento da decisão popular.

 

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VÍCTOR GABRIEL RODRÍGUEZ , advogado, é professor doutor do Departamento de Direito Público da FDRP-USP (Faculdade de Direito de Ribeirão Preto). É autor de “Argumentação Jurídica” e de “Tutela Penal da Intimidade”.
 

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