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O direito ao bom governo (II)

Inicio de novo ciclo político-administrativo e com o país mais dividido pelo forte embate eleitoral refletido na apertada vitória da presidente Dilma Roussef, muitos analistas têm se debruçado sobre os cenários possíveis para os próximos quatro anos, preferindo resumir neste espaço que os brasileiros esperam, de verdade, é a boa governabilidade como sinônimo de administração eficiente da nação, Estados e Municípios.

Na trilha defendida em artigo anterior com igual título, não há dúvida que “o direito ao bom governo” tem sede constitucional e está situado no ápice dos direitos políticos fundamentais.

Realmente, o objetivo da atual Carta Política, além de restaurar a democracia, “é a construção de um Estado sob os valores supremos do respeito aos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça inerentes a uma sociedade fraterna, pluralista, sem preconceitos e harmônica, comprometida na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.

Assim redigido, o preâmbulo da Constituição – ao contrário do que muitos pensam – a integra para todos os seus fins como um dever-objetivo a ser rigorosamente seguido pelos legisladores pós-constituintes, na adoção de leis, mas também pelos executores dos programas de governo da União, Estados e Municípios e, enfim, por todos os poderes e órgãos integrantes da administração pública.

O direito ao bom governo decorre do próprio princípio de dignidade da pessoa humana e conforme bem delineou o jurista alemão Peter Häbele, discípulo do influente professor e ex-magistrado da Corte Constitucional alemã, Konrad Hesse:

“Uma constituição que se compromete com a dignidade humana lança, com isso, os contornos de sua compreensão do Estado e do Direito e estabelece uma premissa antropológico-cultural. Respeito e proteção da dignidade humana como dever (jurídico) fundamental do Estado constitucional constitui a premissa para todas as questões jurídico-dogmáticas particulares”.

É exatamente o que fez a nossa Lei Magna, que repele a idéia de que tais aspirações são simbólicas e não obrigam o governo, seja em decorrência de apontada impossibilidade de dimensioná-las (?!), seja porque inexiste sansão para eventual descumprimento, além da censura política das urnas (?!).

Em ambas as hipóteses é claro que há censuras sim: a própria Carta e a legislação infraconstitucional oferecem instituições, meios e instrumentos para coibir e punir condutas político-administrativas atentatórias das práticas do bom governo.

O artigo 1º da Constituição arrola como fundamentos da república brasileira: “a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político”, enquanto o art. 37 traça as regras-princípios orientadoras de toda administração pública, entre as quais se destacam a legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência.

Desse modo, tudo que for de encontro ou conflitar com tais fundamentos deve ser rejeitado e combatido, à luz da força normativa da Constituição – como defendeu Hesse – por todas as instâncias de poder. Tal conceito engloba o exercício do poder de forma ampla e não apenas o poder político em sentido estrito, vez que “todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”.

Hoje, já não constitui óbice instransponível a alegada impossibilidade de mensurar o que seja de interesse do povo com vistas à consecução dos valores erigidos em objetivos constitucionais da nação, isso porque a atividade pública está altamente vinculada e regulamentada com específico dirigismo à realização do bom governo.

Entre nós, tal se dá pelo fato de a própria Constituição dizer quais são os objetivos fundamentais da república no seu artigo 3º: “I- construir uma sociedade livre, justa e solidária; II- garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

A Lex Fundamentalis, portanto, oferece as instituições, balizas, meios e recursos necessários ao direito-garantia do bom governo, remanescendo apenas a questão prática de como alcançá-lo e aí estamos diante de opções político-administrativas submetidas a controle político na via eleitoral-legislativa, controle legal pelo Judiciário, controle social através do Ministério Público e controle financeiro-contábil via Tribunal de Contas.

No ponto, pertencendo o poder primário ao povo, seu exercício na forma de funções executiva, legislativa e judiciária, igualmente impõe o ônus constitucional do bom governo sobre os poderes estatais da república nos níveis federal, estadual e municipal, com a só abstração de que este último não conta com Poder Judiciário próprio.

A cada dia mais me convenço, que entre nós, o Judiciário está fadado ao chamado “ativismo judicial” sem que isso – quando e se exercido dentro de balizas asseguradoras do bom governo –, possa resvalar na formulação de políticas públicas ou usurpação de competência legislativa ou executiva dos outros poderes, de regra, não admitida pela jurisprudência do Supremo em respeito ao princípio da separação de poderes.

No entanto, há tendência à flexibilização do vetusto princípio em face da co-responsabilidade dos poderes pelos destinos da nação, com o Judiciário sendo chamado com indesejável frequência para arbitrar conflitos interna corporis do próprio parlamento.

No ponto, o STF tende a admitir que a jurisdição constitucional, assim como concebida pelos chamados substancialistas, deve ir além de garantir direitos individuais para também efetivar o próprio direito sancionado pela sociedade civil, como defendeu Brake (USA).

Assim entendido, o fenômeno do ativismo judicial decorre da própria evolução e complexidade da relação sociedade-estado mostrando que é preciso avançar de modo que a jurisdição constitucional vá além do sistema formal de garantias, para buscar, concomitantemente, a efetivação do próprio direito ao bom governo ínsito no rol dos direitos fundamentais, já que em termos político-administrativos situa-se no ápice dos objetivos estatais e dos direitos sociais, exigindo diuturna implementação.

É preciso que o Judiciário não seja – e já é muito – só poder-garante do bem comum, mas que também oferte jurisdição com dirigismo ao bom governo e isso é uma decorrência da modernidade e da própria consciência coletiva do povo.

Não pode o Poder Judiciário e o Ministério Público, força de acomodação formalística ultrapassada frear sua intervenção na vida nacional, estadual e municipal e deixar de contribuir fortemente para a consecução do bom governo, pois tem ficado patente que grande parte da administração pública é operada por feudos corruptos que desrespeitam a Constituição e cujas nefastas práticas aniquilam o direito ao bom governo.

O direito ao bom governo é constitucional, sendo a essência mesma da democracia representativa no seu dever de realizar o bem comum voltado à dignidade da pessoa humana.


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