A frase atribuída a Getúlio Vargas — “Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei” — sintetiza uma prática política antiga: a instrumentalização do poder e das instituições em benefício de aliados e em prejuízo de adversários. Trata-se de uma forma perversa de seletividade, onde a lei, em vez de ser aplicada de forma justa e universal, torna-se um mecanismo de vingança ou de proteção, dependendo de quem esteja no centro do jogo político.
A chamada PEC da Blindagem, que prevê a necessidade de aval do Congresso para que parlamentares possam ser processados criminalmente, dialoga diretamente com esse espírito. Na prática, cria-se um escudo que separa os “amigos” — aqueles com mandato e influência — dos “inimigos” — cidadãos comuns sujeitos ao rigor imediato da Justiça. É a velha máxima do privilégio político travestido de regra constitucional.
Essa distorção conecta-se à reflexão moral sobre a corrupção:
“O corrupto não conhece a fraternidade ou a amizade, mas só a cumplicidade; tende a arrastar todos à sua própria medida moral. Os outros são cúmplices ou inimigos.”
A corrupção funciona exatamente assim: ela exige cumplicidade como moeda de troca. O que não é cumplicidade é ameaça — e, portanto, deve ser neutralizado. A PEC da Blindagem institucionaliza essa lógica ao transformar a impunidade em um pacto silencioso entre pares. É a cumplicidade elevada à norma constitucional.
O problema é que, como lembra a metáfora de Pilatos, a corrupção se disfarça de normalidade, de mecanismo “necessário” de governabilidade ou equilíbrio institucional. Mas, no fundo, é apenas a legitimação de uma zona corrupta de adesão ao poder a qualquer preço.
O que se sabe é que hoje o Brasil tem mais de meio milhão de presos, e conta-se nos dedos quantos deles são ricos.
A repetição da história
O Brasil já assistiu a episódios semelhantes:
- O caso de Ronaldo Cunha Lima, em 1993, quando o então governador da Paraíba atirou contra o ex-governador Tarcísio Burity e nunca foi punido, protegido por decisões políticas e pela lentidão judicial.
- A absolvição de parlamentares no “mensalão mineiro”, em que aliados políticos escaparam de punições mais severas.
- Os inúmeros processos engavetados pelo Congresso, quando a Casa se transformou em escudo para evitar que colegas fossem investigados pelo Supremo.
Esses episódios mostram que blindagens institucionais sempre existiram. A diferença é que, agora, busca-se constitucionalizá-las.
A história prova que toda vez que o país optou por blindar seus representantes, o resultado foi o mesmo: impunidade, descrédito da população e corrosão das instituições democráticas.








