Wanderley Feitosa Viana.
A célebre frase “O Sertão vai virar mar”, atribuída ao líder religioso Antônio Conselheiro no século XIX, transcendeu o tempo e, de certa forma, vem se tornando realidade. A frase histórica foi registrada no livro A Noite das Grandes Fogueiras, de Domingos Meirelles, e está relacionada à experiência de Conselheiro durante a Guerra de Canudos, conflito ocorrido no Sertão da Bahia.
A expressão ecoa até hoje, reforçada pela música de Sá e Guarabyra, e a “profecia” parece se cumprir em algumas regiões do Nordeste, não apenas no Sertão, mas também em áreas historicamente castigadas pela seca — agora com a ajuda da natureza e da tecnologia.
Historicamente, a escassez de água é um problema que afeta os nordestinos e, particularmente, os paraibanos. As longas estiagens comprometeram a agricultura, inviabilizando uma cadeia produtiva e prejudicando o desenvolvimento econômico e social do estado.
Que diga o agricultor Reginaldo Bezerra de Lima, morador de Caraúbas, no Cariri do Estado, que já enfrentou várias secas, inclusive algumas rigorosas, que dizimaram o gado e deixaram açudes e barreiros secos. Em entrevista ao PB Agora Reginaldo Bezerra lembrou das secas severas que já enfrentou, e o drama para conseguir água. Tudo era difícil. Muita luta. Um sofrimento.
Ele lembrou que em anos de secas prolongadas, a exemplo do que ocorreu nos anos 1980, a população chegou a disputar água com os animais. Uma luta pela sobrevivência. E a água, tão preciosa na região, era de péssima qualidade.
“Nós já enfrentamos muito período de estiagem desde a minha infância. Eu lembro aquela seca que teve nos anos 80, onde a gente disputava água com os animais. Quando a gente tentava pegar água nas cacimbas, a gente disputava com os guará, com a raposa, com o sapo. Á água era barrenta que tinha gosto de urina de vaca. A gente tinha que beber porque não tinha opção. A opção que tinha era aquela. A seca de 1993 que foi o ano que não deu uma única chuva aqui nessa região, foi uma seca extremamente severa, os anos seguintes 98, 99, 97, 2000, 2001, 2002, 2003 foi outro ciclo seco que enfrentamos” lembrou Reginaldo Bezerra.
A água de péssima qualidade também afetava a saúde da população. A esposa de Reginaldo, a agricultora Rosinete de Freitas Bezerra, revelou que na época em que precisava buscar água em cacimbas e barreiros, ela e sua família sofriam com dor de barriga. E outras doenças.
“Era só Deus mesmo para a gente poder sobreviver naquele tempo com água de péssima qualidade” lembrou.
Durante muito tempo, o agricultor dependeu dos programas emergenciais do governo, especialmente, da operação carro pipa coordenada pelo Exército e que leva água ao semiárido nordestino.
Só que mesmo em regiões secas, afetadas pelos eventos climáticos, existe água. Na terra em que a água vale ouro e que representa esperança, sonho, vida e fartura no campo, a riqueza está no subsolo. Para retirá-la é preciso vencer uma camada de rocha profunda para perfurar o poço. Mesmo assim, a água que brota é salobra. Muito salgada. Imprópria para o consumo humano.
Mas, nos últimos anos, uma tecnologia prática e barata, desenvolvida por pesquisadores da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), tem transformado essa realidade em regiões do Estado proporcionado melhorias no campo. E deixou os carros pipa de lado. A ideia foi criar um equipamento simples, de fácil manutenção e baixo custo. O dessalinizador solar, uma tecnologia social desenvolvida pelo professor Francisco José Loureiro Marinho, do Centro de Ciências Agrárias e Ambientais (CCAA) Câmpus II, localizado na cidade de Lagoa Seca, tem ajudado a mudar a realidade.
A invenção tem favorecido produtores, animado o homem e a mulher do campo e feito jorrar água cristalina, como uma alternativa em tempos de crise hídrica. Já garante água de qualidade a mais de 80 mil paraibanos.
O equipamento que transforma água salobra em potável foi produzido a partir de uma experiência envolvendo estudantes do curso de Agroecologia e membros da Cooperativa de Trabalho Múltiplo de Apoio às Organizações de Autopromoção (COONAP). Cada uma das casinhas pode produzir até 16 litros de água doce por dia. Água potável. Da melhor qualidade.
Esta semana, com a COP 30 em andamento, o pesquisador Francisco Loureiro conversou com O PB Agora e deu detalhes de sua invenção que já se transformou em uma alternativa sustentável para a convivência do nordestino com a seca. O aparelho é de baixo custo e, segundo ele, foi desenvolvido por meio da captação de energia solar, retirando o sal da água com a ajuda da evaporação.
O projeto foi batizado de “Dessalinizador solar para fornecer água potável para as famílias da Zona Rural do Nordeste brasileiro”, e beneficia atualmente cerca de 200 famílias em cidades do Semiárido paraibano onde, historicamente os índices pluviométricos são considerados baixos, segundo a Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado (Aesa).
Com atividades de pesquisa iniciadas em 2010 e construídas com vidro, cimento e lonas, o equipamento funciona como uma estufa, abastecida com água salobra proveniente de poços. Com o calor do sol, a temperatura da água pode atingir até 70°.
O vapor gerado sobe, condensa no vidro, escoa por canaletas e se transforma em água própria para consumo humano. O sal, que não evapora, fica depositado na lona, conforme explicou o professor Francisco Loureiro. A manutenção do sistema é feita pelas famílias que precisam apenas limpar a lona para que o equipamento volte a funcionar normalmente.
Custando entre R$ 3 e R$ 4 mil para produzir todo equipamento, incluindo uma “casinha” feita de pré-moldados de alvenaria, o projeto já instalou cerca de 200 dessalinizadores em 10 cidades da Paraíba e até em outros estados. No total, conforme explicou o professor Francisco Loureiro, foram instalados 10 equipamentos em Remígio; 10 e São Vicente do Seridó; 10 em Cubati; 70 em Caraúbas; 15 em Monteiro, 10 em Soledade, 20 em Cuité, cinco em Campina Grande, cinco em Queimada; 10 Caraúbas e 21 e Santa Luzia. Também foram instalados 10 dessalinizadores em Pernambuco e um em no Ceará.
O professor Francisco Loureiro explicou que o equipamento já se tornou uma tecnologia social, e tem mudado a realidade da região e a vida de agricultores paraibanos, além de impulsionar a economia local.
O objetivo é ofertar água de qualidade para as famílias que convivem com a escassez de água. Em algumas regiões do Semiárido, a água dos poços contém até sete gramas de sal por litro, enquanto o limite para ser considerada potável é de meio grama por litro. Além de desenvolver a tecnologia, o projeto tem ensinando agricultores a desenvolverem os próprios dessalinizadores solares, utilizando produtos simples encontrados no próprio campo.
Para isso, vários treinamentos foram ministrados em parceria com a Associação de Profissionais em Agroecologia (APA), ONG formada por egressos do curso de Agroecologia, do Centro de Ciências Agrárias e Ambientais. Esse trabalho tem à frente o pesquisador Wanderley Feitosa Viana.
Formado em Agroecologia e com mestrado na área, Wanderley Viana está no projeto desde 2013. Ele também conversou com o PB Agora e destacou os benefícios que o equipamento tem gerado no interior paraibano e até de outros estados.
Ele contou que no começo tinha a missão de fazer a limpeza dos primeiros equipamentos em Remígio. Nesse período ajudou a construir várias “casinhas” e instalar os equipamentos. Ele garante que a iniciativa vem mudando de forma gradativa a realidade na Zona Rural das cidades paraibanas.
“Há diversas maneiras de construção, por alvenaria com tijolos ou com placas pré-moldadas. A diferença está apenas no tempo de execução. As partes mais difíceis de construir são a calha, a bandeja e a entrada das bandejas, mas, tirando isso, qualquer pessoa sem treinamento consegue construir. Uma produção de cinco unidades, a gente gasta dois dias para fazer as formas e dois dias para montar o equipamento. Se fossemos fazer de tijolo, o preço seria mais caro e ainda teríamos que pagar o pedreiro”, observou.
O primeiro modelo, produzido em Campina Grande, custou cerca de R$ 3 mil. Já na cidade de Icapuí, no Ceará, a unidade ficou em torno de R$ 4,5 mil, porque a associação de moradores da comunidade pediu que todos os materiais fossem adquiridos localmente, para que pudessem acompanhar e compreender todo o processo, desde a compra até a construção. A capacitação, conforme definiu
Ele conta que o valor dessa tecnologia varia, visto que depende de cada região e dos fornecedores da matéria usada na parte de alvenaria.
Como forma de facilitar o trabalho, a coordenação do projeto elaborou uma cartilha com o passo a passo da instalação do equipamento. Esse material conta com informações e ilustrações que detalham todo o processo da construção, inclusive os materiais utilizados e a quantidade certa para cada dessalinizador.
O presidente da Associação dos Profissionais em Agroecologia garante que o dessalinizador solar apresenta baixo custo de implantação e manutenção, possibilitando segurança hídrica por meio do fornecimento de água potável, além de promover a transformação social frente a gestão dos recursos hídricos locais, utilizando a energia solar (limpa e renovável) para a promoção de água potável, além de possibilitar a convivência com o Semiárido.
Um grito de independência dos agricultores
Para o professor Francisco Loureiro, os dessalinizadores solares funcionam como se fosse um grito de independência de agricultores em relação aos caminhões pipa.
“Muitas vezes o caminhão pipa não fornece água em quantidade e qualidade adequada e o agricultor passa a ser um passivo para a sociedade. No momento que ele tem água para beber de excelente qualidade e através de outras tecnologias como barragem subterrânea, cisterna de grande porte, poços e etc., tem água para suas necessidades pessoais e de irrigação. Assim ele passa a ser um ativo na sociedade”, destacou.
O professor Francisco Loureiro lembra que o Nordeste tem variação nas características dos elementos constantes na água dos poços, variando de água com 500 ppm a 25.000 ppm. Os equipamentos instalados com tecnologia da UEPB dessalinizam de 1.000 a 10.000 ppm. Água de qualidade e sustentabilidade que tem transformado a vida no campo.
“Na verdade, esse projeto é uma adaptação do projeto do Irmão Urbano, um frade redentorista. Em princípio, ele tinha como objetivo apenas dessalinizar a água para canteiros econômicos, destinados a hortaliças. Ele não era voltado para a dessalinização de água para consumo humano. Nós o utilizamos para conseguir água potável. Nós o trouxemos para a Universidade porque acreditamos que esse projeto é aplicável à Zona Rural e pode transformar a vida das pessoas que necessitam de água potável”, explicou o professor Marinho.
O professor explicou que primeira experiência em escala ocorreu em 2012 em um assentamento rural no município de Remígio, com recursos do CNPq, onde foram construídas dez unidades no Assentamento Corredor.
“Foi um processo de adaptação de materiais e técnicas. Fizemos piso de alumínio, de cimento, e o sal corroía tudo. Um agricultor de Remígio teve a ideia de usar lona, pois disse que no mercado o sal é vendido em saco de plástico. E deu certo”, comemorou.
Em 2018, o docente incentivou os estudantes a criar uma ONG para que o projeto pudesse ser desenvolvido em outras regiões do Nordeste. Foi assim que surgiu a Associação de Profissionais em Agroecologia (APA).
O resultado do projeto é sentido pelo agricultor Reginaldo Bezerra, para quem cada gota d ‘água é preciosa. O homem acostumado a conviver com secas severas, garante que o equipamento se transformou em uma riqueza na zona rural. A água salina vira cristalina. Quase mineral. Puríssima.
“Eu costumo dizer que os meus animais hoje eles têm água de melhor qualidade do que a gente tinha naquela década de 80 e de 90 e início dos anos 2000 não só essa tecnologia agora dos dessalinizador mas quando aparece as tecnologias de cisterna de água de ver ali já começa a mudar a qualidade de vida nossa” afirmou.
Para ele, os dessalinizadores solares são importantes na região semiárida, principalmente nas cidades distantes do do rio, onde as águas são salinas, o que inviabiliza a população a consumir a água da forma que ela vem.
“A produção desse dessalinizador que são 10 casinhas Ela pode chegar até 160 litros de água diário. Aqui beneficia a pelo menos 5 famílias que vêm buscar essa água. Uma água de excelente qualidade que tem que passar pelo filtro de barro ou pelo pote de barro para ela mineralizar, que ela vem destilada. Água puríssima e de muito boa qualidade. Isso tem mudado muito a vida da gente” contou.
O agricultor classificou o dessalinizador como uma tecnologia funcional em que o homem do campo fica independente de políticas públicas de programas de governo como o carro pipa.
“Então nós temos a autonomia de água de cozinhar e beber no semiárido paraibano. Isso é uma dádiva de Deus e da tecnologia com sabedoria do homem do campo da cidade” descreveu.
A criação da casinha mostra como uma ideia simples, sustentável e econômica pode tornar viável a convivência do homem com a seca. Garantir melhora na qualidade d e vida. E impulsionar a economia na região.
Severino Lopes
PB Agora
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