A Venezuela utilizará a assessoria do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para a produção agrícola em uma fazenda expropriada pelo governo em uma nova etapa da chamada "guerra ao latifúndio", que estabelece o resgate de terras consideradas improdutivas.
Expropriada há um mês, a fazenda El Frío, de 63 mil hectares, será um dos polos de produção arrozeira no Estado de Apure (norte da Venezuela), de acordo com o governo.
Ali, o MST será responsável pelo desenvolvimento de dois projetos experimentais. Um será destinado à produção de arroz e peixe orgânicos e o outro, à criação de gado de leite.
O dirigente do MST na Venezuela, Alexandre Conceição, disse que o trabalho do grupo na fazenda El Frío será o de organizar a produção e o trabalho dos agricultores com base no modelo de cooperativas utilizado nos assentamentos do Brasil.
"Depois eles devem assumir sozinhos o projeto, porque o objetivo final é facilitar a transferência tecnológica em agroecologia para que a Venezuela possa alcançar sua soberania alimentar", acrescentou.
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que ordenou seus funcionários a acelerarem o "resgate de terras", defendeu a técnica utilizada pelo MST em suas cooperativas como uma alternativa para incrementar a produtividade do campo venezuelano.
"É possível incrementar em 30% a produção com essas técnicas alternativas", disse Chávez. "No Brasil os sem-terra fazem isso. Aqui, temos uma brigada dos sem-terra há algum tempo trabalhando conosco", afirmou o presidente durante uma reunião do Conselho de Ministros transmitida em cadeia nacional de rádio e televisão, nesta quarta-feira.
Vietnã
A maior parte da produção de arroz na fazenda El Frío, no entanto, estará a cargo de um grupo de técnicos do Vietnã. O governo pretende produzir 250 t de arroz, em uma tentativa de reduzir os custos de importações do cereal.
Cerca de 70% dos alimentos consumidos na Venezuela são importados. Em 2008, saíram dos cofres da estatal petroleira PDVSA US$ 2,2 bilhões para a compra de alimentos, dos quais quase a metade foram destinados à importação de produtos do Brasil.
O convênio entre o governo venezuelano e os sem-terra começou em 2005, quando Chávez visitou um assentamento da reforma agrária no município de Tapes (Rio Grande do Sul). Neste assentamento, que funcionaria de acordo com o modelo de produção proposto pelo MST, uma das áreas de produção é destinada a arroz e piscicultura.
Na ocasião, foi firmado um acordo entre a Venezuela, o MST e a organização Via Campesina que estabelece a cooperação para a produção de sementes agroecológicas e a colaboração do MST na organização no setor produtivo e dos camponeses em cooperativas.
Em contrapartida, o governo venezuelano "custeia o trabalho" dos 15 integrantes do MST que atuam no país, além da infraestrutura para a realização do trabalho no campo, segundo Conceição.
"A relação do MST com o governo venezuelano é uma aliança política, não comercial. Corresponde ao nosso princípio de solidariedade", afirmou o dirigente do MST.
Desapropriações
Questionado sobre se o MST está organizando os camponeses venezuelanos para a ocupação de propriedades rurais, Conceição disse que "não é necessário". "Aqui o Estado se encarrega de cumprir a Constituição, ao desapropriar as terras improdutivas", afirmou.
O primeiro trabalho realizado pelos sem-terra na Venezuela foi a criação de um Instituto Internacional de agroecologia para a formação de técnicos agrícolas, uma das cláusulas do convênio assinado em Tapes.
Inaugurado em 2006, em Barinas, Estado natal do presidente venezuelano, o instituto agroecológico leva o nome do educador brasileiro Paulo Freire e tem cerca de 70 estudantes provenientes de sete países da América Latina.
A questão agrária venezuelana é um ponto de permanente conflito entre o governo e o setor privado no país. A expropriação de terras e a regulação de preços dos alimentos tem aprofundado a disputa entre ambos e provocado desabastecimento dos principais produtos da cesta básica no país, entre eles, o arroz.
O governo diz que suas intervenções no campo são direcionadas a terras "improdutivas". "Os produtores que têm suas fazendas e estão produzindo, não se preocupem, porque nós não vamos tomar nada", afirmou Chávez.
Para o setor empresarial e os partidos opositores, no entanto, as medidas do governo são um "ataque" à propriedade privada e à Constituição do país.
BBC