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Luta contra o Taleban no Vale do Swat prossegue com derramamento de sangue

O exército paquistanês mantém a sua ofensiva contra o Taleban no Vale do Swat. Cerca de dois milhões de pessoas já deixaram as zonas de combate e estão vivendo em condições terríveis em campos de refugiados

Fazal-e Khuda está de pé em uma campina defronte a um pé de damasco, em um lugar que já foi um autêntico paraíso. Khuda, um homem magro, vestido inteiramente de branco, olha para o noroeste, onde, durante as últimas horas, o estrondo de morteiros e de fuzis Kalashnikov tem ecoado pelo cenário pitoresco do Vale do Swat.

O som é música para o ouvido dele. Tanques circulam pelo Vale do Swat, o céu é cortado por aviões de caça e o exército paquistanês está bombardeando o Taleban com artilharia pesada. Já era tempo, afirma Khuda, que é poeta. Das suas instalações no Vale do Swat, a apenas alguns quilômetros da casa de Khuda, o Taleban envia os seus membros para decapitar professores liberais, políticos seculares e até mesmo barbeiros que ousam, em um desafio a uma proibição imposta pelo Taleban, fazer a barba de seus clientes.

Nesta manhã em particular, helicópteros transportam tropas de elite do exército paquistanês para Peochar, de forma que eles sejam capazes de cercar o quartel de comando do Taleban, para onde só se pode chegar através de uma estrada estreita que passa pelo vale. Os homens engajam-se em um combate à curta distância. Há derramamento de sangue.

Na semana passada, o ministro do Interior paquistanês Rehman Malik anunciou que 700 extremistas foram mortos na operação. "O exército continuará até que o último taleban seja eliminado", afirmou Malik. Em Islamabad, o primeiro-ministro Yousuf Raza Gilani disse que esta é uma luta "pela sobrevivência do país".

As autoridades paquistanesas batizaram a operação de "Rah-e-Haq", "o caminho correto". Talvez desta vez eles estejam falando sério.

O governo dos Estados Unidos também espera que estejam. O objetivo de Washington é garantir que o Paquistão, uma potência nuclear, defenda-se realmente dos militantes extremistas, em vez de meramente falar que fará isso. Após o fracassado acordo de paz entre o Taleban e o governo na Província da Fronteira Noroeste, que inclui o Vale do Swat, os radicais expandiram a sua esfera de influência até chegarem a apenas cem quilômetros da capital.

Ninguém em Islamabad pareceu se preocupar muito com isso, mas as autoridades em Washington ficaram preocupadas. Desde os ataques de 11 de setembro de 2001, a perspectiva de que armas nucleares caiam nas mãos de muçulmanos radicais tem criado um cenário de pesadelo para o Ocidente.

Há poucas testemunhas da batalha atualmente travada no Vale do Swat. O Taleban ameaça matar todo jornalista que não fizer matérias favoráveis ao grupo. Jornais e estações de televisão dependem das declarações dadas por um porta-voz do exército. O exército paquistanês desativou todas as redes de telefonia celular nas zonas de combate.

O vale na base das montanhas Hindu Kush, um local repleto de pomares de pessegueiros e fontes de águas claras, está abandonado após uma semana de ofensiva. Na sexta-feira passada, dezenas de milhares de pessoas aproveitaram-se de uma suspensão de oito horas do toque de recolher em Mingora para fugir, o que fez com que as ruas ficassem saturadas com um fluxo interminável de pedestres, carroças de burros, micro-ônibus superlotados, caminhões e motocicletas. A cidade de 350 mil habitantes vinha sendo bombardeada por vários dias, e o fornecimento de água e energia elétrica foi interrompido há mais de uma semana.

Cerca de dois milhões de pessoas já fugiram das zonas de combate. As cidades de barracas brancas com os logotipos azuis das organizações de auxílio a refugiados aumentam diariamente de tamanho. Há pouca ou nenhuma água potável – e nenhum vaso sanitário – nos campos de refugiados.

Atualmente há 13 mil refugiados registrados no campo de Jalala, que fica 14 quilômetros ao norte da cidade de Mardan. As pequenas tendas cobrem o chão poeirento, e à noite homens e mulheres sentam-se diante de fogueiras, contando as suas histórias.

Fazl Karim, um velho que quebrou uma perna quando fugia, usa uma tala de madeira como solução temporária. Ele abre bastante os olhos, parecendo estar cansado. "No final disso tudo, quem controlará o Swat, o Taleban ou o governo?", pergunta ele. "As forças armadas provavelmente acabarão assinando um tratado de paz com o inimigo e permitirão que pessoas como eu retornem para as suas casas – sem proteção".

O dono de mercearia Abdul Mustaan queria fugir com os familiares, mas eles ainda estão em Mingora. "Estamos cercados e presos. À esquerda temos o exército, jogando bombas e nos mandando partir, e à esquerda há o Taleban, atirando e exigindo que fiquemos", diz ele a "Spiegel" em uma conversa por telefone. "Sobrou pouco alimento para as crianças. Estamos ficando sem água, e só restaram algumas velas. Quando isto vai acabar?"

O Taleban criou um campo de treinamento na vila de Takhta Bund, 12 quilômetros a oeste de Mingora. Eles recrutaram jovens da aldeia para patrulhar as ruas, e roubaram comida e dezenas de carros. À noite, os moradores de Takhta Bund podem ouvir rajadas de metralhadora e o som do disparo de foguetes, conta o lojista Alam Khan.

Pouco tempo após a chegada do Taleban, as forças armadas paquistanesas montaram um acampamento em uma escola a algumas centenas de metros da casa de Khan. Mas os soldados não incomodaram o Taleban. Até mesmo quando houve uma ofensiva contra milícias que consistiam de estudantes do Alcorão, e os moradores fugiram, o Taleban permaneceu. "Takhta Bund é um abrigo seguro para eles", afirma Khan.

Segundo o porta-voz do exército, general Athar Abbas, há cerca de 4.000 combatentes talebans no Vale do Swat, dos quais pelo menos um em cada cinco já foi morto. Acredita-se que os militantes do Taleban recolham os corpos dos camaradas mortos e os enterrem em 24 horas. No entanto, segundo um jornal local, os corpos são deixados a apodrecer ou são devorados por cães selvagens.

Hakimullah, um comandante do Taleban, senta-se com as pernas cruzadas em um carpete vermelho. A casa dele, que é feita de madeira e barro, fica na divisa entre o Vale do Swat e o distrito de Buner. Hakimullah, um homem corpulento de pouco mais de 30 anos, não usa o turbante obrigatório, mas sim um pequeno chapéu bordado de dourado, além das suas tradicionais vestimentas da etnia pashtun. Ele traz pendurado nos ombros um coldre com uma pistola.

Hakimullah afirma comandar cerca de cem homens. Mas ele também controla a temida rede de informantes do Taleban em um subdistrito do Swat. Os visitantes que entram na sua sala de recepção por uma cortina azul saúdam o líder da milícia – um homem baixo – com as palavras subservientes: "Amir sahib – meu comandante, meu mestre".

"Nós todos não morreremos algum dia? Mas estamos morrendo por uma grande causa", diz o islamita, ao ser questionado sobre o elevado número de baixas do Taleban. O próprio Hakimullah parece sentir-se seguro. Embora o exército e a polícia controlem as ruas, o Taleban ainda influencia o Vale do Swat. Hakimullah está otimista. "A vitória final será nossa", afirma.

Fazal-e Khuda, o poeta, houve o barulho dos helicópteros alçando voo e o das bombas caindo, e vê uma coluna de refugiados deixando a zona de combate. Será que ele acredita que a situação acabará melhorando no Vale do Swat? Ele responde com um verso: "Dor do inferno, doce firmamento, a flor que aqui se abriu foi-se embora para sempre".
 

UOL

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