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Ídolo na Turquia, Felipe Melo se vê levantando a taça no Brasil em 2014

 Muito mudou após o 2 de julho de 2010. Desde o cartão vermelho e a eliminação na Copa do Mundo, Felipe Melo trocou o futebol italiano pelo Campeonato Turco, tornou-se ídolo de uma das torcidas mais vibrantes do mundo e aumentou a família. No Galatasaray, ganhou a camisa 10, o apelido de Pitbull e, por fim, o título nacional. O volante brasileiro, hoje com 29 anos, no entanto, mantém velhos hábitos. O mais recorrente deles é falar sobre seleção brasileira. Em parte porque jornalistas não lhe deixam esquecer o pisão em Robben e a derrota para a Holanda. A outra parcela vem do próprio desejo do atleta de voltar a defender o país.

Sem meias palavras, Felipe Melo recebeu o GLOBOESPORTE.COM em sua casa, em Istambul, onde mora com a mulher, Roberta, os filhos David, de 6 anos, e Pietra, de 3. Criticou o tratamento dado pelo rival Fenerbahçe ao compatriota Alex e disparou contra os que o rotularam como grande culpado pela eliminação do Brasil na Copa da África do Sul. Falou também sobre a adaptação à Turquia e o fanatismo da torcida do Galatasaray. Sobre o "pitbull", garantiu que só os mal intencionados identificam relação entre o apelido e um futebol violento.

O volante muda o tom quando fala de Seleção. Lembra que foi titular em todas as convocações e que sofreu apenas uma derrota – para a Holanda – no time nacional. "Não revi e não vou rever porque me faz mal", diz sobre o jogo. De concreto, seu retorno à amarelinha vive apenas em um pôster encostado em uma das paredes da sala. Mano Menezes nunca entrou em contato. Felipe Melo, contudo, jamais perdeu a fé. Ao falar sobre 2014, encerra a conversa descrevendo uma imagem mental: "levantando a Copa do Mundo no Brasil, com meu pai chorando, junto com a minha família na arquibancada". Confira abaixo o bate-papo.

GLOBOESPORTE.COM: Qual era sua expectativa quando assinou com o Galatasaray?

Felipe Melo: Eu assinei contrato depois de falar com o Taffarel. Ele é treinador de goleiros aqui, foi campeão da UEFA aqui, jogou vários anos… E depois de falar com o Elano também. Eles falaram que seria totalmente diferente do que eu pensava. Eu imaginava a Turquia, um país asiático, muita religião, aquele pessoal com negócio (burcas e turbantes) na cabeça e tal… Eu imaginava assim. Então, chegar aqui e ver o povo como no Rio de Janeiro, bem sorridente, pronto para te ajudar, aquele trânsito, a torcida apaixonada, um clube com tradição igual aos que existem no Brasil… Eu pensei uma coisa e foi 100% diferente do que eu imaginava.

Que hábitos você estranhou nos primeiros dias?
Estar dirigindo e, de repente, ver os carros parando do lado para fazer a reza deles. Vi poucas vezes, mas foi uma coisa que me deixou bastante assustado. A cada passo que você dá, vê uma mesquita diferente. E elas têm microfone, você escuta de longe. Então eles encostavam os carros. Eu fiquei, naquele primeiro momento, assustado (risos).

E a comida?
Aqui se acha bastante comida brasileira. Quando não encontro alguma, meu irmão traz de Turim. A comida turca também é muito boa. Quando vou me concentrar ou saio para jantar, não tenho nada a reclamar. Tem vários doces bacanas, tenho que tomar cuidado. Menos mau que não tenho problema com peso, porque o doce turco também é muito bom.

Qual seu preferido?
Tenho vários preferidos. Difícil é te dizer o nome.

E você está falando turco?
Para não dizer que não falo nada, sei "bom dia", "bom apetite"… Mas também não faço força para falar turco porque é muito difícil e eu tenho um contrato de mais um ano aqui (após uma negociação que durou quatro meses, o Galatasaray não comprou os direitos de Felipe Melo. O brasileiro renovou com o Juventus, da Itália, e foi emprestado por mais um ano ao Galatasaray). Não sei se vou ficar depois disso. Eu estudo inglês, que é uma coisa que vai ficar para toda minha vida, vai me ajudar.

Como surgiu o apelido de Pitbull?
Na Itália, me chamavam de Gladiador. Cheguei aqui e me chamaram de Pitbull. "O Pitbull chegou", diziam. Acabei vestindo a camisa do Pitbull e acabou que no ano passado deu bastante certo. Cada gol que fazia, eu comemorava como um pitbull. Até como um presente para a torcida, que me deu esse apelido. Até agora está dando certo.

Em nenhum momento passou pela sua cabeça que poderiam associar o pitbull à imagem de um jogador violento?

Não, não. Na realidade, tudo que se faz hoje, não só no futebol, tem um lado positivo e tem as pessoas que são más, que tentam colocar um lado negativo. Só dentro de campo para mostrar que sou um pitbull pelo lado positivo. E ao longo desse primeiro ano e neste início de segundo ano, tenho mostrado que é o pitbull pelo lado de ser aguerrido, de lutar dentro de campo, de morder mesmo, porque sou um centro-campista que recupera a bola. Mas também muito técnico, difícil de errar passe, de chegar na hora que tenho que chegar para fazer gols. Os números têm mostrado isso.

E você está com a camisa 10…
Estou com a 10, estou com a 10… Era do ídolo aqui, o Ardan Turan, que foi para o Atlético de Madri. A torcida acabou pedindo para eu ficar com a 10. Eu estava com a número 4 e acabei mudando, o que foi um desafio para mim, uma responsabilidade bacana. Fiquei satisfeito com a escolha.
Está à vontade com ela?

Para ser bem sincero, esse negócio de número não importa para mim. Número 1, 2, 3, 10… Se vestiu a camisa, a responsabilidade é sempre grande. Tem que fazer um bom trabalho e honrar a camisa que você está vestindo. Eu honrei e tenho honrado a camisa 10, assim como honraria se fosse a número 4 ou a número 2. Não é nada de importante o número.

Mas a torcida cobra mais por você ser o 10?
Não. Sinto a cobrança maior este ano por tudo que eu fiz no ano passado. Este ano, ainda não fiz gol. Acabei perdendo um pênalti importante na Champions League. Fiquei quatro meses parado, com esse impasse de Juventus e Galatasaray, sem saber se vinha ou não. Então estou muito atrás dos outros. Só agora estou adquirindo 100% da minha forma física. É difícil, mas a cobrança vem por tudo aquilo que eu represento hoje, não para ao Galatasaray, mas para o futebol turco. Eu acabei virando, graças a Deus, um ídolo nacional aqui.

O Alex ficou oito anos aqui em Istambul. Você acha que está trilhando um caminho parecido com o dele, só que no Galatasaray, grande rival do Fenerbahçe?
Não. O Alex já veio para cá com um longo contrato. Eu estou no segundo ano, novamente emprestado pela Juve. É difícil dizer se vou continuar aqui. Claro que meu desejo é continuar, mas não depende de mim. O Alex veio para cá com planos de longo prazo. É um camarada que, de certa forma, abriu um leque no futebol turco. Aqui, ele tem estátua. Inclusive fiquei bastante chateado com o que nosso rival (Fenerbahçe) fez com ele. Com certeza, se fosse aqui no Galatasaray, não seria dessa forma. Oito anos jogados fora em dois minutos. Um camarada que, por tudo que fez e representa para o futebol turco, não deveria acontecer aquilo. Ele não é ídolo do Fenerbahçe. Ele é ídolo nacional. Tudo que aconteceu com o Alex foi uma injustiça muito grande.
O fanatismo da torcida assustou um pouco, ainda que positivamente?

O início foi assustador. Meu primeiro jogo foi contra o Liverpool. Era um amistoso, e o estádio tinha mais ou menos 60 mil pessoas pulando, gritando, e eu fiquei pensando: "Será que é o ano todo assim?". E todo jogo, com 40 mil ou 70 mil pessoas, estão pulando, gritando, vaiando o time adversário o tempo todo. A gente sai na rua e é difícil de andar porque eles querem pegar, tocar no ídolo. É bacana por um lado e, pelo outro, esse fanatismo da torcida acaba sendo de certa forma exagerado. Quando o clube perde, há coisas desagradáveis, como aconteceu quando fomos campeões na casa do Fenerbahçe. A torcida acabou quebrando o próprio estádio para a gente não comemorar lá. Esse é o excesso do amor, que excede à razão.

Você consegue andar na rua tranquilamente?

Em alguns shoppings, sim. Eu tenho muita vontade de ir no Grand Bazaar, mas não fui ainda porque algumas pessoas disseram para eu colocar um capuz ou levar um segurança. Não por assaltos, mas por causa de tumulto. Mas não deixo de fazer as coisas que eu quero por isso. Se tem que ir a um shopping, eu vou. Pelo contrário. Acho bacana me pararem e pedirem foto.
Então não precisa de segurança?
Não. Vou com meu irmão, que é bem pequenininho. Não caberia como meu segurança (risos).
Torcedor rival ofende na rua?
Não aconteceu comigo, não. Pelo contrário. Vários torcedores do Fenerbahçe já me pararam na rua e pediram foto.
Você sempre fala em voltar à Seleção. Em uma entrevista, você classificou isso como um "objetivo primário". Em algum momento, o Mano Menezes conversou com você desde que assumiu?
Não. Converso com alguns companheiros de seleção, agora com menos frequência, mas sempre falo com o Kaká. Confesso que continua sendo meu objetivo. Mas eu não persigo a Seleção. Tenho uma história legal. Um título (a Copa das Confederações, em 2009), nunca passei pelo banco de reservas, vários jogos e apenas uma derrota. A Seleção fazia anos que não vencia a Argentina na Argentina e vencemos, com Messi e todo mundo. Havia anos que o Brasil não vencia o Uruguai fora, e vencemos de quatro. Há muito tempo o Brasil não se classificava para uma Copa com tanta tranquilidade. Foi um grupo que venceu tudo, tirando a Copa. E na Copa, até aquele segundo tempo com a Holanda, estava todo mundo fazendo uma excelente Copa do Mundo. Talvez eu seja o único jogador da história da Seleção que talvez não tenha passado pelo banco. Tenho história para contar para os meus netos. Claro que tenho o sonho de ser campeão mundial, mas confesso que hoje a minha confiança é em Deus. Eu confio em Deus e já entreguei para ele os meus sonhos. Sei que, se for a vontade d’Ele, a minha oportunidade na Seleção vai chegar. Se não chegar, vou continuar trabalhando e honrando a camisa do clube onde eu estiver.
Você acredita que o pisão no Robben e aquela expulsão pesam até hoje?
Não creio que um treinador de uma seleção tão grandiosa como a seleção brasileira possa deixar de convocar um jogador por uma expulsão. Eu vi o próprio Ramires, um cara que eu tenho como exemplo, uma pessoa tranquila, sendo expulso no jogo contra a Holanda, em cima do Robben, num amistoso. Vi o Hernanes, um jogador de um talento incrível, muito tranquilo também, sendo expulso contra a França. E voltaram para a Seleção, entre outros. Então, não creio. Sinceramente, eu achava que, depois do que fiz na temporada passada, eu poderia ter uma oportunidade na Seleção. Não tive. Paciência. É aquilo que eu falei: se a oportunidade chegar, estarei pronto e contente para representar minha nação novamente. Mas a minha confiança é em Deus. O que Ele fizer para mim, está feito. Já orei, já expus para ele os meus sonhos, então a única coisa que eu tenho que fazer é trabalhar e esperar. Se for a vontade de Deus, não tem jeito. A porta que Deus abre, ninguém fecha.

E a briga com o Riera? Entra nessa conta?
A história com o Riera… Tudo que acontece com o Felipe Melo ganha uma proporção muito grande.

(Interrompendo) É por isso que faço quase a mesma pergunta que fiz sobre a expulsão. A impressão que dá é que ainda existe a fama do jogador violento.
Na realidade, eu já tenho tanto tempo sem ser expulso… Cartão amarelo é normal, pela posição em que eu jogo. É inevitável. Mas são tantos jogadores que entram na maldade, fazem tantas coisas… E pegaram o Felipe Melo como exemplo de maldade. Não é assim. Eu digo que essas pessoas são os bobões do futebol, que querem colocar a culpa no Felipe Melo. E são bobões que não ganharam nada no futebol. Há grandes ex-jogadores que comentam futebol e que são ídolos até hoje por tudo que fizeram dentro de campo e pelo que representam fora dele. E tem grandes bobos ex-jogadores de futebol que nunca venceram nada, que nunca chegaram a lugar nenhum e que hoje estão tendo a oportunidade de comentar jogos de futebol e acabam falando mal de jogadores. Se pegar a história do jogador Felipe Melo em números, eu tenho uma ótima história, bons números. Colocaram o Felipe como culpado, e a FIFA me elegeu o jogador mais versátil da Copa. Fui o jogador que menos errou passe, tanto longo como curto, então quer dizer… Isso, vindo da FIFA, massageia o meu ego e me deixa bastante contente. Melhor jogador da Turquia, campeão na casa do Fenerbahçe… Acabou a Copa do Mundo, voltei para a Juventus e joguei todos os jogos, sempre como titular. Sempre que alguém fala uma coisinha, eu demonstro com os números que é diferente.

Porque os números são frios e não têm a necessidade de colocar a raiva para fora e achar um culpado, é assim que você pensa?

Com certeza. Mas são poucos (os tais bobões), tá? Quando encerrou a Copa e chegamos ao Brasil, eu estava um pouco apreensivo do que poderia acontecer. Confesso que cheguei e… Pelo contrário. As pessoas me paravam na rua e diziam: "Você foi o único guerreiro naquele time", "Você deu a sua cara no time". No jogo contra Portugal, eu acabei me lesionando. Fiquei fora da partida contra o Chile, voltei e naquele jogo ali, contra a Holanda, joguei por amor à nação, amor à camisa. Até ali, estava muito bem. Aquele passe para o Robinho (que resultou no gol brasileiro) ninguém lembra. O primeiro tempo, não do Felipe, mas da seleção brasileira, foi impecável. Inclusive costumo dizer se o Stekelenburg (goleiro holandês) tivesse dois centímetros a menos, ele não teria defendido uma bola que o Kaká colocou no ângulo. Teríamos vencido o primeiro tempo por 2 a 0 e matado o jogo ali.

Grávida de seis meses, Roberta, mulher de Felipe Melo, dará um irmão a Pietra (Foto: Alexandre Cossenza)
Já parou para rever aquele jogo inteiro?

Não vi e não vou ver, porque me faz mal. Eu tinha certeza que seríamos campeões do mundo, pelo ambiente que se criou dentro da Seleção. Nós vínhamos bem centrados. Eu vejo alguns lances, quando passa alguma coisa na TV… O Robinho estava fora de si, o Kaká estava fora de si, o Lúcio… Jogadores que eram tranquilos estavam fora de si porque nós estávamos vendo, quando saiu o segundo gol da Holanda, a taça escapar pelas nossas mãos. Dois gols do Sneijder, que tem um metro e meio. De repente, se o Brasil não estivesse tão confiante, nós poderíamos inverter aquele placar. Mas aqueles dois gols, do jeito que aconteceram, realmente nos assustaram bastante. Até hoje, não vi e não vou ver. Faz mal para mim pensar que hoje não sou campeão do mundo por duas falhas. Futebol é dessa maneira, é injusto. Por isso que envolve tanta paixão, tanta gente. Nem sempre o melhor vence.
Pretende voltar para o Brasil quando?

Eu renovei com o Juventus por mais um ano e vim para cá, para o Galatasaray. No término desta temporada, eu terei mais dois anos de contrato com o Juventus. Confesso que essa ideia de voltar ao Brasil me seduz bastante. Tenho um filho que mora no Rio, o Linyker. Eu tenho muita saudade dele, só o vejo nas férias. Vejo o Campeonato Brasileiro e me dá muita saudade também. É difícil dizer, mas não descarto nada. Eu queria muito vir para o Galatasaray, assinar um contrato de cinco anos. Era essa a ideia, era o pacto que tínhamos aqui. Acabou que eu vim por um ano de empréstimo. Então, é difícil dizer o futuro, mas não descarto nada. Vamos ver o melhor para mim, para a minha família. E o que Deus escolher para nós também.
Tem ideia de até quando vai seguir jogando?

Não sei. Tenho alguns objetivos ainda. De repente, eu ganho algum título muito importante… Pode ser que eu pare. De repente, caio num clube que está bem e renovo por outro ano. Enfim, não tenho essa ideia de quando vou parar.
E na sua cabeça, existe uma imagem de como seria seu último jogo?

De como seria o último jogo, não, mas eu tenho uma imagem na cabeça: eu levantando a Copa do Mundo no Brasil, com meu pai chorando, junto com a minha família na arquibancada. Essa imagem eu tenho na minha cabeça.

Globo.com

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