O Brasil carrega uma dívida histórica com suas mulheres cientistas — e essa dívida é ainda maior no Nordeste, onde os desafios da ciência se entrelaçam com as desigualdades de gênero, território e oportunidade.
Atuei por cinco anos na direção de uma instituição federal de ciência sediada no semiárido, o Instituto Nacional do Semiárido (INSA), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Ao longo desse período, enfrentei o que muitas mulheres líderes na ciência conhecem bem: o julgamento constante, a desconfiança sutil, a resistência às decisões técnicas e a naturalização de que “lugar de liderança” ainda pertence majoritariamente a homens.
Embora as mulheres representem cerca de 59% das matrículas no ensino superior e 59,4% dos ingressantes, essa maioria se dissipa rapidamente à medida que se avança na carreira. No corpo docente do ensino superior, elas constituem 47,6% do total de professoras. Ainda nos patamares mais altos da academia, a disparidade se torna mais evidente.
Mesmo sendo maioria nas bolsas de mestrado (54%) e doutorado (53%) do CNPq, as mulheres ocupam apenas 35,5% das bolsas de produtividade, que são direcionadas à elite científica do país. No topo da classificação de pesquisadores de destaque, homens representam 73% enquanto apenas 27% são mulheres.
A situação é especialmente desigual nas áreas de tecnologia e exatas: em 2022, apenas cerca de 15,7% dos estudantes de TI eram mulheres, refletindo uma sub-representação persistente nessas áreas. Globalmente, segundo a Unesco, mulheres correspondem a aproximadamente 33,3% dos pesquisadores, e apenas 12% delas são membros de academias científicas nacionais.
A participação feminina cresce nos primeiros estágios da carreira, mas a transição para posições de liderança continua sendo um percurso hostil. Estudos bibliométricos mostram que, apesar de mulheres e homens começarem com taxas semelhantes de publicação científica, o avanço delas é mais lento e restringido.
Quando se trata da ocupação de cargos de direção em universidades e institutos de pesquisa — especialmente no Norte e no Nordeste —, a presença feminina se torna exceção, não regra.
Essa disparidade não é fruto do acaso. Ela é o resultado de uma cultura institucional que ainda valoriza a figura masculina como símbolo de autoridade, que pune mulheres assertivas, silencia lideranças femininas e, muitas vezes, transforma competência em ameaça.
No Nordeste, esses obstáculos se somam a uma crônica escassez de investimentos em ciência e tecnologia. Liderar projetos, formar redes e produzir ciência de impacto social no semiárido exige resiliência — e, quando quem lidera é uma mulher, exige também coragem política.
Mas é preciso dizer: nós estamos aqui, e estamos prontas.
Somos pesquisadoras, professoras, dirigentes, inventoras, gestoras de política pública. Somos mães, filhas, cuidadoras, e, mesmo diante de múltiplas jornadas, seguimos resistindo e produzindo ciência relevante, comprometida com a realidade social e ambiental do nosso território.
A presença de mulheres em posições de poder na ciência não é apenas uma questão de justiça; é uma condição para que o Brasil avance com inteligência, diversidade e responsabilidade. Não haverá desenvolvimento sustentável, inovação inclusiva ou combate às desigualdades sem mulheres decidindo, liderando e transformando a ciência.
Está na hora de reconhecer, valorizar e proteger as trajetórias das mulheres nordestinas que ousam ocupar o poder com ética, competência e visão pública.
Referências:
1. Censo Educação Superior 2023, MEC/Inep (nav).
2. Ministério da Ciência, Mulheres em bolsas mestrado/doutorado e produtividade, Fev 2025  .
3. Divulga‑CI, editorial “É preciso mais mulheres na Ciência”, Fev 2025 .
4. UNESCO relatorio dados perfil internacional .
5. Jaramillo et al. (2025), bibliometria desigualdade de gênero .
Por Mônica Tejo
Professora Doutora na Universidade Federal de Campina Grande (2010 – atual)
Ex- diretora do Instituto Nacional do Semiárido / Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (2020-2025)
Pesquisadora CNPq DT (2018 – atual)
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