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Crise argentina coloca exportadores brasileiros em estado de alerta

 O relacionamento entre Brasil e Argentina não vai bem. Desde o ano passado, uma série de desencontros comerciais anda abalando essa união. O pivô desta crise é uma outra crise, a econômica, que tira o sono de Cristina Kirchner, a chefe de Estado do país vizinho.

Com apenas US$ 27 bilhões em reservas, não há dúvidas que o país está em uma situação extremamente delicada. Não se trata apenas de uma condução política intransigente ou inadequada por parte dos hermanos, o fato é que falta dinheiro.

Produzir internamente e aquecer a economia local é questão sobrevivência. Neste caso, continuar alimentando o nosso superávit de R$ 3,1 bilhões da balança comercial, obtido em 2013, é uma forma de confirmar a segunda opção.

O resultado mais recente dessa política restritiva da Argentina veio no balanço mensal da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). A exportação total de veículos despencou 28,9% em janeiro frente ao primeiro mês do ano passado, graças à condição imposta pelo governo local.

Poucas semanas antes, foi o setor de calçados. Desde o ano passado, uma restrição à entrada de calçados brasileiros na Argentina já gera perdas de mais de US$ 30 milhões para a indústria exportadora nacional. Atualmente, mais de 700 mil pares de calçados estão parados, à espera da Declaração Jurada Antecipada de Importação (Djai), que autoriza a entrada dos produtos na Argentina. No ano passado, a queda nas exportações ultrapassou os 12%.

Abandonar a Argentina está fora de cogitação para ambos os setores. Heitor Klein, presidente da Abicalçados, não admite a hipótese de deixar este mercado “e é justamente por isso que estamos negociando junto ao Governo Federal uma saída para o impasse”. Na Anfavea, o assunto também não está em debate. “O governo está acelerando as negociações para resolver a questão. Temos uma necessidade proeminente de manter esse relacionamento”, diz Luiz Moan, presidente da Anfavea, durante a entrevista coletiva mensal da Associação

As perspectivas não são boas. “O panorama é sombrio”, define Rubens Ricupero, embaixador e diretor do curso de economia da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). “O contato entre as presidentes e as equipes econômicas tem sido constante, mas a crise é muito grave. Não é uma questão de aceitar ou não os produtos brasileiros. Hoje é uma questão de sobrevivência.”

Boa parte do setor produtivo, em algum momento, já cobrou uma postura mais incisiva da diplomacia nacional, mas o fato é que, neste momento, todo tipo de esforço seria vão. “Não tem por onde espremer a Argentina. O governo brasileiro já está sendo muito duro com o país”, diz o diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Inúdstrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Thomaz Zanotto, que já fez um estudo sobre o alcance dessas restrições sobre a indústria nacional. “Estamos prevendo novas quedas para as exportações em setores pontuais, mas nenhuma catástrofe por enquanto.”

Mais que isso, tem sido considerado inútil desgastar a relação diplomática com a Argentina, principalmente diante de uma balança comercial ainda tão favorável. O ano passado, o fluxo entre os dois países ultrapassou US$ 36,078 bilhões em 2013, no segundo melhor resultado desde 1989, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, perdendo apenas para 2012. “Não é um volume comercial de se jogar fora. Não dá para jogar a água do banho no ralo com o bebê dentro”, comenta o presidente da Câmara de Comércio Argentino Brasileira de São Paulo, Alberto Alzueta. “

O embaixador Ricupero faz coro à preocupação e ressalta que o próprio programa de exportações brasileiro poderia ser prejudicado por uma atitude mais incisiva. “Se dificultarmos as relações com a Argentina, vamos ter de reduzir a produção e o desemprego tenderá a ganhar espaço.”

Exatamente por isso o financiamento dos vizinhos argentinos tem sido considerado uma boa saída para a crise de relacionamento – uma forma de, pelo menos, reduzir o impacto sobre o setor produtivo. “Temos um saldo em aberto de mais ou menos US$ 2 bilhões com a Argentina. Só o que resolveria seria um crédito para que os fornecedores brasileiros sejam pagos”, opina o embaixador.

Zanotto, da Fiesp, também vê nesse aporte uma boa oportunidade para o Brasil, inclusive, reforçar sua posição de liderança na região. “Sem dúvida, o financiamento é uma parte bem importante do processo de reconstrução da Argentina, mas precisamos de alguma garantia de que será pago”, coloca o executivo. Por isso mesmo, aguardar as eleições poderia criar alguma segurança.

Argentina está “à beira do abismo” e eleição pode não trazer grandes novidades

A verdade é que não é de hoje que a coisa não vai bem na Argentina de Cristina . “O povo não acredita na própria moeda”, aponta Marcelo Suano, diretor do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais (Ceiri).

Mesmo assim, o histórico político deixa qualquer esperança de inversão ainda mais distante. “Entre os eleitores argentinos, 75% são peronista ou socialista, ou seja, dificilmente haverá uma condução radicalmente diferente das contas do país após 2015”, ressalta o pesquisador. “Estão à beira do abismo.”

As duas questões, somadas, provocam um incômodo de credibilidade. Desde 2001, o calote da dívida pública argentina já tirou boa parte do crédito do país no tabuleiro global.

De lá para cá, o país foi ladeira abaixo. Em 2013, a inflação oficial bateu os 10,9% – há quem questione os dados e aponte um aumento de preços de pelo menos 28% em 2013. Em janeiro, a correção de preços, segundo a equipe de macroeconomia do Itaú, chegou a 30,7% no cálculo anual. No mesmo mês dólar já chegou a custar 8 pesos, uma valorização de 11%.

Para completar, em 2015 o país passará por eleições presidenciais. Depois de todo o caos político e econômico desde 2001, o Partido Justicialista não conta com uma unidade forte – em 2012, Cristina já havia sofrido um revés nas eleições legislativas, quando a maioria do congresso ficou liderada pela oposição que rompe o próprio partido.

Para o embaixador Ricupero, ainda é cedo para fazer alguma previsão do resultado das eleições por lá. “Ainda temos dois anos pela frente, muita coisa pode mudar no cenário político argentino. Qualquer palpite é precoce”, afirma.

Alberto Alzueta, presidente da Câmara de Comércio Argentino Brasileira de São Paulo, concorda que ainda é cedo e alerta que um racha no partido não está fora de cogitação. “A Cristina tem dois grupos opositores dentro do seu próprio partido. Não temos a menor pista do que vai acontecer”, explica. “Está sendo negociado um acordo de governabilidade. Hoje é o melhor a se fazer.”

Na análise de Alzueta, Luis Cioli, atual governador de Buenos Aires, é o mais afinado com a política kirchnerista, no entanto, nem de longe pode ser considerado um sucessor de Cristina. Zanotto, da Fiesp, considera o candidato uma boa opção. “Ele me pareceu extremamente competente e pé no chão. Fico com a sensação de que se for o eleito, será daqueles que pegará o touro pelos chifres, como se diz no popular.”

Cristina e Dilma estão de mãos dadas

É claro que não são somente os motivos econômicos que mantêm o Brasil em uma postura menos agressiva frente à Argentina. A parceria entre Dilma Rousseff e Cristina Kirchner ultrapassa os limites políticos.

Há quem diga que o relacionamento entre as duas é ótimo, não só porque têm simpatia uma pela outra, mas também porque se dão muito bem ideologicamente. “Elas sempre tenderão a investir numa estratégia conjunta, por que ambas têm essa visão de utilizar a inclusão social como reforço da economia e ampliação de mercado consumidor”, explica Suano, do Ceiri.

Ig

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