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São Paulo vive boom de compositoras

Elas são as antidivas da canção. Com muitas características em comum e personalidade própria para demarcar a necessária diferença, as paulistanas Tiê, Juliana Kehl, Luisa Maita e Tulipa Ruiz, a pernambucana Karina Buhr e a carioca Cláudia Dorei despontam promissoras na cena paulistana, que vive um boom de novas compositoras. Na segunda-feira à tarde, com intermediação da promoter Fernanda Couto, elas se reuniram, dispostas e amigáveis, na padaria Real, ao lado da MTV, para conversar com o Estado.

Com exceção de Tiê, as demais estão prestes a soltar seus álbuns de estreia, o que está previsto para ocorrer nos próximos dois meses. No site MySpace é possível ter uma pequena amostra de seus trabalhos. Apesar de quê, elas fazem restrições ao material já liberado para internet, porque já evoluíram bastante. Como Luisa, Juliana está com seu CD homônimo pronto, tão belo e estimulante quanto o de Tiê, e deve lançá-lo em abril, quando Karina – que acaba de pôr na rua o terceiro do grupo Comadre Fulozinha, só com composições suas – começa a gravar o seu primeiro solo. Tulipa vem no mesmo ritmo.

Divertindo-se com o fato de ser apontada como “uma Mallu Magalhães para adultos”, por também transitar na área do folk, Tiê segue em temporada no Studio SP. Dentro do projeto Cedo e Sentado, nesta e na próxima quarta-feira, ela faz shows de lançamento do lindo CD Sweet Jardim, que define como “doce e melancólico”. Karina e Cláudia podem ser vistas sexta-feira, na 15ª mostra do projeto Prata da Casa, do Sesc Pompeia (leia abaixo).

O boom de novas compositoras não para aí, nem se restringe a São Paulo. Reveladas nesta década, além das já citadas, Mallu Magalhães, Iara Rennó, Giana Viscardi, Natalia Mallo, Céu (todas de ou radicadas em São Paulo), a mineira Érika Machado, a pernambucana Ana Diniz, as cariocas Silvia Machete e Anna Luísa, a potiguar Valéria Oliveira, a baiana Pitty, entre outras, estão aí em evidência.

Elas não se comportam como se formassem um “movimento” de novas autoras (e nem sabem explicar o “fenômeno”), acreditam que o CD vai sobreviver para contar sua história, mas são conscientes de que não vão ganhar dinheiro com venda de discos. Apostam, na maioria, na delicadeza para se expressar e têm referências diversas. “A delicadeza é essencial na música, na vida. Sou muito minimalista, gosto dos detalhes, de silêncio, de música que tenha um pouco de espaço de respiro”, diz Cláudia. “Amo a coisa climática da música eletrônica.”

Umas adoram Marina Lima, outras admiram divas internacionais, como Nancy Sinatra e Björk. Pioneira na questão feminista na MPB, Joyce – que nos anos 60 foi duramente criticada por usar a expressão “meu homem” numa canção – é uma das influências femininas de Tulipa e foi gravada por Juliana (Outras Mulheres, parceria com Paulo Cesar Pinheiro).

Filha do violonista Amado Maita e sobrinha do pianista Benjamin Taubkin, Luisa já disse que procura “o máximo de expressão com um mínimo de afetação”, tem muita influência do universo masculino, da “malandragem do samba”, por exemplo. Assim como Tiê, que aponta Tom Waits e Leonard Cohen como referências para sua música, mais Dolores Duran, na questão de “assumir as dores”. Além de Dolores, Juliana ouviu muito Chico Buarque (tido como o compositor brasileiro que mais “entende a alma feminina”) e tem como exemplo a irmã, “que sempre quis ser compositora”. Karina, por sua vez, ouvia Rita Lee quando pequena, mas teve estímulo para ingressar na música a partir do convívio com as bandas todas de Pernambuco.

Como não se consideram cantoras (“acho que a gente anda meio cansada dessas divas”, diz Tiê), elas são unânimes em afirmar que se sentem mais à vontade cantando as próprias músicas. “Comecei a compor para ficar mais livre dentro das coisas que canto. Esse papo de intérprete é cansativo”, afirma Tulipa.

“Acho que o que a gente vive hoje é um processo que acontece a partir desse boom de cantoras”, observa Juliana. “As mulheres cantoras sempre ficaram estigmatizadas pela interpretação. Foi num período em que tínhamos grandes compositores, era muito rico isso. Acho que agora a gente está encontrando um espaço para se expressar também.” Karina concorda, mas acredita também que hoje há mais “olhos voltados para isso”. “Como eu, acredito que muitas também escrevem canções, mas demoram para aparecer”, diz.

Criar as próprias composições foi para Tiê a melhor alternativa para se livrar da responsabilidade de cantar músicas alheias. “Antes eu tinha muita dificuldade em escolher repertório, então era uma cantora infeliz, isso dificultava encontrar meu próprio estilo. Comecei a compor faz dois anos e foi um alívio enorme, aí coloquei pra fora as minhas histórias, queixas, dores. Meu trabalho é bem confessional mesmo.”

Confessionais também são as letras de Cláudia Dorei, carioca radicada em São Paulo há oito anos, que traz elementos do hip-hop e do trip-hop em sua musicalidade. “Para minhas experimentações, me sinto mais em casa em São Paulo. Eu que me alimento de arte, tinha de estar aqui mesmo”, diz a compositora. Suas conexões, no entanto, como para todo mundo, atravessam mundos via internet. “Para mim, o MySpace é fundamental nessa questão. Coloquei minha música lá, não é a versão que vai estar no disco, mas mal ou bem tem a minha cara.”

Sem se submeter a produtores ou gravadoras, elas têm total autonomia sobre o que cantam e gravam. Juliana bem que levou seu CD pronto (que começa com sambas, depois se amplia para outros terrenos) para três majors, mas a negociação não evoluiu com nenhuma e ela desistiu – vai lançá-lo por conta própria. Ela também começou como intérprete e virou compositora por sugestão de um produtor. De início, musicou poemas da irmã, Maria Rita Kehl, um dos quais (Viação Cometa) está em seu CD. Depois passou a criar repertório próprio. “Começou a dar certo nos shows, comecei a explorar mais esse lado e é muito gratificante pra mim.”

As letras são o diferencial mais forte entre o trabalho-solo de Karina (que já foi da banda Eddie) e da Comadre Fulozinha, embora a sonoridade também seja diferente. Enquanto seu grupo é mais voltado para os ritmos nordestinos, Karina sozinha tem uma atitude mais roqueira, mistura Pernambuco com reggae, canto falado e experimentações. “Na verdade eu não boto limite em nenhum dos dois.”

Como Luisa, Tulipa vem de família musical. Além do irmão, Gustavo Ruiz, ela tem o pai guitarrista, Luiz Chagas, que já foi da banda de Itamar Assumpção. “Então, fazer som veio de uma forma natural, formalizar isso é que foi difícil.” Luisa já tentou levar para o CD certas características que acha fundamentais no palco. “Para mim, o disco é como um quadro, uma pintura. No show entram o carisma, o calor, a entrega. Tentei fazer com que as músicas tivessem essas duas características.”

Elas circulam nos mesmos ambientes, criando uma simbólica comunidade musical. Dividem músicos, como o guitarrista Gustavo Ruiz, que participa do CD de Juliana, assinam parcerias, participam dos discos uma da outra. Mas nenhuma tem a petulância de interferir no trabalho alheio. Afinal, são personalidades bem definidas e demonstram saber muito bem o que querem da música.

A EVOLUÇÃO DA MULHER NA CANÇÃO BRASILEIRA

CONQUISTAS: Antigamente elas eram poucas. Chiquinha Gonzaga foi referência isolada durante décadas, mas nem de longe vislumbrava as conquistas da mulher na música brasileira. Até Maysa e Dolores Duran – surgidas no período de transição do rádio para a televisão e do 78RPM para o LP -, as mulheres se expressavam filtrando o canto por uma perspectiva masculina.

A pioneira de verdade a explicitar um caráter feminista na MPB foi Joyce. Sua contemporânea Rita Lee só impôs sua cor-de-rosa-choque anos mais tarde. Depois delas e Rosinha de Valença, outra década se passou até que Marina Lima, Ângela Ro Ro, Fátima Guedes, Leci Brandão, Sueli Costa, Dona Ivone Lara, Rosa Passos e Jovelina Pérola Negra formassem a primeira frente feminina da canção brasileira. Da turma do rock, além de Marina vieram Paula Toller, Dulce Quental e Fernanda Abreu (pós-Blitz). A partir de meados dos anos 90, início da era do CD, ganharam terreno Marisa Monte, Adriana Calcanhotto, Zélia Duncan, Ana Carolina, Fernanda Takai (no Pato Fu), Bebel Gilberto e Vanessa da Mata, entre inúmeras outras. Além de dominar o terreno do canto no País, na era do MP3 elas crescem em proporção espantosa na escrita de letras e melodias.

É claro que em alguns casos a pretensão, a inconsistência e a imaturidade fazem desacreditar que haja talento duradouro por baixo do hype. Mas não se pode ignorá-las. E elas nem têm mais de reclamar do machismo no meio musical. Até porque, nem sempre dispensam a parceria masculina: a obra de Sueli Costa, Marina Lima, Joyce e Rita Lee, entre outras, que fale por elas (e eles).

estadao.com.br

 

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