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Le Monde: o brasileiro açaí vira fruto da globalização

É preciso chegar às 3 da manhã. A noite está escura, a temperatura é agradável e o porto de Belém fervilha. A cidade ainda dorme, mas tudo que essa parte da Amazônia brasileira recebe de riquezas desembarca aqui, no cais, em uma agitação confusa e colorida. Há dezenas de variedades de frutas exóticas, legumes com formatos estranhos, peixes de água doce de um tamanho desconcertante. E, acima de tudo, há o açaí.

O açaí é o fruto de uma variedade de palmeira que prolifera na bacia amazônica. Ele é colhido em cachos bem no alto da árvore. Vermelho arroxeado puxando para o violeta, ele lembra o mirtilo ou o cassis pela sua aparência e seu tamanho, e o chocolate pelo seu gosto. Mas o mais surpreendente é que esse fruto, recentemente glorificado por suas virtudes medicinais e nutritivas – algumas bem reais, outras, imaginárias – , se lançou à conquista dos países ricos. Servido sob forma de mingau por toda a Belém, o açaí se transformou ao se emancipar da floresta amazonense. Ele se tornou bebida, sorvete, biscoito, cápsula, bala e até mesmo bebida alcoólica. As grandes marcas de refrigerantes e as de cosméticos também se interessaram por ele.

Ele só era vendido em Belém. Hoje em dia pode ser encontrado na Califórnia, no Japão, na Austrália, amanhã na Europa… na Internet, os sites que propõem o novo elixir se multiplicam. “O açaí é o fruto da globalização”, resume a governadora do Estado do Pará, Ana Júlia Carepa. “Amanhã, você poderá encontrá-lo nas prateleiras do supermercado, ao lado de garrafas de suco de abacaxi ou de maçã”, afirma o secretário estadual da Agricultura, Cássio Pereira. Isso seria um pouco precipitado. Por enquanto, o mercado é local, acima de tudo.

Todas as noites no porto de Belém, são arrancados dos porões dos barcos milhares de cestos, todos idênticos, cheios até a borda de açaí, colhidos na floresta; eles se amontoam na plataforma esperando por compradores, que estão lá. À medida que chegam, eles mergulham suas mãos nos cestos, apalpam os frutos, provam as bagas, oferecem um preço e negociam firme antes de fechar a compra.

Às 9 horas, maços de notas de reais mudaram de mãos, e não há mais nenhum grão de palmeira para vender. Em Belém, o açaí é o alimento básico oferecido por centenas de barracas, sinalizadas por um minúsculo letreiro vermelho. A receita é simples e econômica. Descascado e misturado com água em máquinas simples, ele vira uma polpa que é misturada com mandioca ou peixe frito. “O açaí é um prato popular que mata a fome”, diz Reginaldo, dono de um minúsculo restaurante instalado ao ar livre no porto. “É bom para a saúde. Aqueles que colhem os frutos na floresta, longe de tudo, nunca ficam doentes”. Ainda que cause sonolência, acredita-se que o fruto da “palmeira pinot” seja um remédio contra a anemia, melhore o desempenho sexual e esportivo, combata certos tipos de câncer e favoreça a luta contra o envelhecimento das células…

Os médicos recomendam dá-lo às crianças a partir dos seis meses. “Na verdade, quando os bebês têm dois meses os pais já o colocam na mamadeira”, garante o comerciante Mario Maves, que abriu recentemente no centro da cidade a primeira butique de luxo onde se realiza uma série de preparações.

Os benefícios do açaí são verdadeiros, mas a pequena baga não é a panaceia descrita por alguns. Ana Vânia de Carvalho sabe bem disso. Cientista de formação, a jovem dirige um departamento de pesquisa na Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). “Os estudos científicos sobre o açaí são recentes, e os resultados ainda são fragmentados. As pesquisas foram conduzidas em laboratório, feitas com animais, mas ainda não com humanos”, ela explica. “Os primeiros resultados mostram que o açaí faz parte dos frutos que possuem mais antioxidantes, que combatem o envelhecimento precoce. O açaí também é rico em fibras, e é um alimento muito energético, recomendado para esportistas. As outras vantagens que lhe são atribuídas não se baseiam em dados científicos sérios. O açaí está na moda. Em grande parte, é um produto de marketing”.

No entanto, seu sucesso é um caso típico. Há três anos, o açaí era um produto cuja fama não ultrapassava o nordeste do Brasil. Em seguida, ele se tornou a bebida fetiche dos esportistas do Rio de Janeiro, e conquistou, sob forma de sorbet, as praias de Copacabana e Ipanema. Desde então a moda chegou na Califórnia e a Flórida. Puro ou misturado a outras frutas exóticas, o açaí é mais freqüentemente vendido em garrafas – pelo mesmo preço que um vinho Bordeaux de uma grande safra! – ou em saquinhos. Aquele que é importado pela empresa Belizza e comercializado na Califórnia resume bem as vantagens atribuídas ao açaí. A embalagem de plástico evoca uma bebida “cheia de antioxidantes, lotada de vitaminas e que fornece às pessoas ativas energia durante horas, e não minutos”.

Esse sucesso nos mercados estrangeiros é ótimo para os industriais locais. Ex-funcionário do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), enviado ao Pará na época da construção da Rodovia Transamazônica, Ben-Hur Borges, hoje voltado para os negócios, é um deles. Cerca de dez anos atrás, ele criou uma pequena empresa de produção de açaí a meia hora de barco dos grandes bancos instalados no centro de Belém. “Eu mal tinha 35 hectares para explorar, e vendia por todo o Brasil. Depois os americanos chegaram, e comparam toda minha produção. Fui o primeiro exportador da região. Hoje, envio mais de 100 mil toneladas de açaí por ano para toda parte. Vendo para os Estados Unidos, a Nova Zelândia, qualquer país do norte da Europa, a Suíça e a Grã-Bretanha há dois anos. Por meio de Portugal, nosso antigo colonizador, vou chegar no sul da Europa. O mercado está em plena expansão”.

A empresa do ex-funcionário, a Amazon Frut, emprega centenas de agricultores. No auge da estação, entre novembro e março, ela emprega quase 50 pessoas na usina de produção, em uma pequena ilha no delta do Amazonas, Murutuku. Ao mesmo tempo ultramoderna e antiquada, a empresa vale ser visitada, com sua rede de trilhos de ferro – ou melhor, trilhos de madeira – para transportar a matéria-prima, suas construções de uma limpeza exemplar, onde a polpa da fruta é congelada em grandes tonéis antes de ser exportada, e sua máquina a vapor de uma idade canônica. Descoberta toda enferrujada em uma antiga serraria, ela foi restaurada e voltou a trabalhar, queimando os caroços de açaí e fornecendo energia para a usina, a comunidade local e a escola vizinha.

“Não há mais nenhum caso de desnutrição. A região era pobre. A produção do açaí permitiu seu crescimento econômico”, garante o dono da Amazon Frut. É o mesmo que diz o secretário estadual da Agricultura, que sonha em desenvolver o setor. Este emprega quase um habitante em cada dez no Estado, e representa 10% das exportações agrícolas do Pará. “A prioridade é aumentar a produção”, diz Cássio Pereira. Das 500 mil toneladas colhidas a cada ano, pode-se passar a 700 mil toneladas explorando palmeiras que estão em zonas recuadas. Quase toda a produção vem da floresta. Mas podemos fazer plantações artificiais de açaí e melhorar as mudas com a genética”.

A governadora do Pará – Estado que tem 2,5 vezes a superfície da França – também pensa nisso, no contexto de um programa de reflorestamento dessa parte da Amazônia (projeto criticado por associações de defesa do meio ambiente que temem a monocultura). “Ao longo dos próximos cinco anos, previmos plantar 1 bilhão de árvores no Pará. Parte delas serão palmeiras que dão o açaí”, afirma a política socialista. Um futuro promissor… mas a mania dos consumidores dos países ricos pela pequena baga roxa pode muito bem despertar o apetite de uma concorrência ainda inexistente. Belém já viveu uma decepção parecida. Foi no fim do século 19. A cidade, como sua rival Manaus, vivia do monopólio da extração da borracha. A seringueira de onde ela é retirada não crescia em nenhum outro lugar. Até o dia em que os britânicos conseguiram, com exemplares levados da Amazônia, aclimatar a árvore em suas colônias na Ásia. O fim do monopólio havia chegado, e, com ele, o declínio de Belém. Será que a história se repetirá?

Outros Estados do Brasil já começam a cultivar a famosa palmeira. E delegações da Colômbia, Suriname, Bolívia se dirigem ao Pará para aprender a tirar proveito da árvore mágica. E a Ásia, não seguirá esse caminho? A perspectiva não preocupa os dirigentes do Estado. “A concorrência é uma coisa boa. Ela não nos assusta. Somos os melhores, mais competitivos. Sempre teremos uma distância de vantagem”, responde o secretário estadual da Agricultura. A síndrome da borracha está distante.

Tradução: Lana Lim

 

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