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ANÁLISE – Gilmar Mendes sobre Lava Jato: “Deixou-se um grupo de irresponsáveis à solta”.

“Esse consórcio de promotores e juízes, eles constituíram uma verdadeira organização criminosa (Ocrim)”.

“As Corregedorias têm que atuar. Porque, de fato, se deixou um grupo de irresponsáveis à solta cometendo crimes.”

“Essa é uma organização para combater o crime, mas tem uma linguagem de criminosos.”

“Eles podem integrar qualquer organização criminosa.Que crimes mais eles praticaram?”

“Quem é capaz de fazer o que eles estavam fazendo naquele diálogo é capaz de falsear uma conta”.

“Sabe-se lá o que se fez nessas delações…”

As citações textuais acima são fragmentos de declarações do ministro Gilmar Mendes, do STF, sobre a ações de membros da Operação Lava Jato. Ele se referiu, mais claramente, ao procurador Deltan Dellagnol, e ao então juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça. A coluna recebeu, transcreveu e publica, na íntegra, a entrevista que Gilmar Mendes concedida ao programa “Timeline Gaúcha”, da Rádio Gaúcha, de Porto Alegre.

Segue a entrevista:
Locutor – Ministro, hoje quando fui falar com o Sr. me deu medo de o hacker estar nos vigiando… O Sr. acha que nossas conversas estão sendo “raqueadas”, ministro?

Gilmar Mendes – (rindo) a gente tem que assumir que sempre há riscos, não é?..

Locutor – Eu queria fazer esta entrevista com o Sr por que, neste programa o Sr. disse uma vez que “a turma de Curitiba está se passando”. E, hoje, o que a gente vê – já fazendo juízo de valor das gravações do The Intercept Brasil – é de que houve combinação, inclusive para prejudicar o Sr, entre partido político e Ministério Público. Como é que o Sr. recebe isso?

Gilmar Mendes – Eu sempre disse que sou mau profeta. Porque as coisas que eu falo acontecem. Eu tinha feito essa advertência há muito tempo. Ainda quando saiu essa história da Fundação do Dallagnol (Deltan Dallagnol), eu ponderei aqui que nós estávamos diante de uma gente à gentalha, buscando dinheiro. Quer dizer, o negócio do combate à corrupção era extremamente lucrativo. E é o que se viu: coletando palestras, pegando dinheiro público. O dinheiro que foi devolvido, o dinheiro da Petrobrás, é dinheiro da Petrobrás e da União. Ninguém pode se apropriar disso. Mas o projeto era apropriar-se desse dinheiro. O que nós estamos sabendo, até agora, é extremamente grave. Essa colaboração de promotor com juiz é extremamente grave. Nós estamos falando da maior crise que se abateu sobre o Judiciário Brasileiro desde a redemocratização.

Locutor – A maior crise, o Sr. diz?

Gilmar Mendes – É a maior. Esse consórcio de promotores e juízes, eles constituíram uma verdadeira Ocrim.

Locutor – Uma organização criminosa?

Gilmar Mendes – Sim (enfático). Na verdade eles constituíram uma organização criminosa. Veja: eu não me surpreenderia se amanhã, por exemplo, eles inventassem uma conta minha no exterior.

Locutor – Deltan, Sergio Moro? A gente não quer fulanizar…

Gilmar Mendes – Não, eu não vou fulanizar. Mas, veja: quem é capaz de fazer o que eles estavam fazendo naquele diálogo, é capaz de falsear uma conta; de me atribuir um cartão de crédito. Sabe-se lá o que se fez nessas delações…

Locutor – Ministro, o Sr. Está dizendo que, no caso, o Deltan e o Moro se associaram na Lava Jato com objetivos financeiros, para ganhar dinheiro, é isso?

Gilmar Mendes – Essa coisa se tornou muito lucrativa, não é? Para todos. Tornou-se lucrativa.

Locutor – Lucrativa, palestras; lucrativa, agora tendo um Ministério. É neste sentido que o Sr. diz?

Gilmar Mendes – Em todo sentido se tornou extremamente lucrativo, e de forma irregular. Parece-me que isso é extremamente grave. E isso é só o que a gente sabe. Nós não sabemos tudo. Eu fico a imaginar quantas pessoas foram delatadas a partir de induções desses agentes. Como podem ter manipulado as delações premiadas. Em suma, é extremamente preocupante. E nós estamos vivendo uma situação de anomia (ausência de lei ou de regra). Por quê? Porque os órgãos correcionais dos tribunais não estão funcionando. Os órgãos correcionais do Ministério Público não estão funcionando.

Locutor – O Sr. acha que seria o caso de estes órgãos afastá-los das suas funções (os tais agentes)?

Gilmar Mendes – Afastados, ou não, eles não têm mais condições de exercer as funções. Porque, obviamente, se eles forem tomar qualquer ação, já estarão com a onda de suspeita; já perderam a condição, já não exercem mais a função. O triste é que se organize uma Força Tarefa para combater o crime e ela comece a praticar crime.

Locutor – Mas o Sr. acha que tudo que foi levantado pela Lava Jato – as investigações, as confissões, as provas – tudo isso perdeu a validade por causa disso?

Gilmar Mendes – Não (enfático). Não estou dizendo isso. O que tiver validade, que tenha validade. Agora, isso não diminui a gravidade do fato.

Locutor – Sim, mas quem foi condenado? Houve várias instâncias, inclusive alguns casos passaram pelo STF, e até pelo Sr.

Gilmar Mendes – Ninguém analisa fato nesse tipo de matéria. Vocês tão fazendo, inclusive, um “eu” conceitual. E, claro, repercutindo o que interessa: ah, isso foi confirmado pelo TRF, isso foi confirmado pelo STJ. Ninguém analisa fato quando analisa esse tipo de matéria. Quer dizer: ninguém sabia que juiz e procurador eram sócios nas investigações. Quando o TRF julgou isso ele não sabia dessa matéria.

Locutor – Sim, mas, de certa forma, o Sr. acha que, de certa forma, invalida alguns casos, ou não?

Gilmar Mendes – Terá de ser examinado caso a caro. Agora, é preciso dar a gravidade devida a matéria. Nós não estamos falando de infrações menores; não, estamos falando de coisas muito graves.

Locutor – Eu quero voltar na parte que o Sr. diz de organização criminosa. Porque, pela sua leitura, e o Sr. me corrija se eu estiver errado, o Sr. acredita que ele se organizaram, quer dizer, a Força Tarefa, juízes, procuradores, ou seja, os agentes públicos, para induzir pra lá ou pra cá as investigações, o processo em si?

Gilmar Mendes – Leia a publicação de ontem de El Pais. Veja o baixíssimo nível. É linguagem de criminoso. Essa é uma organização para combater o crime, mas tem uma linguagem de criminosos. Eles podem integrar qualquer organização criminosa. Estamos fazendo algo ilegal, mas ninguém vai saber. Que crimes mais eles praticaram? Leia o texto para seus ouvintes e pergunte: isto é linguagem de procurador? Procurador é magistrado. Como você qualifica esse tipo de linguagem?

Locutor – Baixa. Apesar de ser no privado, em um grupo em que há uma privacidade.

Gilmar Mendes – Eles poderiam integrar qualquer organização criminosa. Eles sabem que estão cometendo crime. Eles podem se investigar agora. Veja que eles estavam fazendo palestra, vendendo palestras; vendendo palestras a empresas que eram investigadas por eles. Se outras pessoas tivessem feito isso, eles teriam pedido a prisão preventiva. De fato é uma gente muito baixa, muito desqualificada.

Locutor – Quando o Sr. fala gente, participa desse processo um hoje ministro da Justiça (Sérgio Moro). Qual que o Sr. acha que é a participação dele nesse processo todo?

Gilmar Mendes – Alguma coisa já sabemos, naquelas conversas que vieram antes (divulgadas pelo The Intercept Brasil) e que não são elogiosas… Eu já disse: juiz não pode ser chefe de força tarefa. Daqui a pouco vão sugerir, talvez, que o Moro receba salário porque ele trabalhava como chefe da força tarefa e era juiz também. Não é razoável. É preciso que essas coisas tenham limites e sejam esclarecidas. E veja: o aparato judicial incumbido, a Corregedoria do TRF ai no Rio Grande do Sul; a Corregedoria do CNJ, do CJF, do MP, elas têm que atuar. Porque, de fato, se deixou um grupo de irresponsáveis à solta cometendo crimes.

Locutor – O que vai acontecer a partir de agora, ministro; que medidas serão tomadas?

Gilmar Mendes – Estamos aqui discutindo, e vamos aguardar os desdobramentos dos fatos. Se o que já sabemos até agora já é muito grave, certamente virão fatos mais graves. Agora, eles têm que explicar para opinião publica o que é que eles estavam fazendo. Não fomos nós que roubamos galinha ontem, foram eles.

 

Wellington Farias

PB Agora

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