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Volta aos trabalhos: o que a bancada da PB deverá votar no Congresso

Trabalhos começam na segunda e dez MPs já trancam a pauta de votações

Em que pese o grande feito que foi a aprovação da reforma da Previdência em 2019, o Congresso encontrará sérias dificuldades para dar conta da enorme pauta reformista com a qual sonham a equipe econômica, analistas de mercado e importantes líderes políticos. Ela já seria ousada demais para um ano “normal” (isto é, sem eleições) e para um governo muito bem articulado politicamente com o Parlamento, que dirá num cenário em que tais elementos estão ausentes.

Abaixo, nossas considerações sobre os principais pontos da pauta legislativa e por que será muito difícil aprová-los integralmente.

2019 foi um ano atípico na política brasileira. O presidente da República afastou-se do Congresso Nacional e mesmo assim o governo avançou com pautas relevantes. Ao aprovar a reforma da Previdência, o Legislativo se cacifou como “formulador” e “transformador”. Algumas de suas figuras principais reforçaram a imagem de liderança devido aos resultados alcançados. É o caso de Rodrigo Maia, sobretudo, mas também de Davi Alcolumbre, Arthur Lira e Aguinaldo Ribeiro. Contudo, será realista manter as expectativas de que o Parlamento seguirá protagonista de reformas virtuosas para o país?

Devido à crise econômica recente, à nova composição do Congresso e principalmente às promessas liberalizantes do candidato vencedor Jair Bolsonaro, consolidou-se no Brasil uma forte expectativa de um governo de reformas. Como mostra a lista seguinte, avolumam-se os temas sobre os quais o sistema político se debruça e sobre os quais são esperados resultados.

Lista de proposições na agenda do Congresso Nacional

Proposta de emenda à Constituição (PEC)
Reforma tributária
Reforma administrativa *
Plano Mais Brasil (3 PECs – emergencial, dos fundos e do pacto federativo)
Fundeb
Prisão em 2ª Instância (na Câmara é PEC, no Senado PL)
Constitucionalização do Bolsa Família

Projeto de lei complementar (PLP)
Autonomia do Banco Central
Regulamentação da Lei Kandir
Securitização das dívidas estaduais
Plano Mansueto

Projeto de lei ordinária (PL)
Recuperação judicial de empresas
Marco legal do saneamento
Licenciamento ambiental
Novo marco legal das concessões
Nova lei cambial

Elaboração: Farol Político

Apenas na listagem acima encontram-se oito propostas de emenda à Constituição, quatro projetos de lei complementar e cinco projetos de lei ordinária.

Um primeiro elemento a considerar em relação à possibilidade de sucesso da agenda de reformas são as eleições. Como apontado em número anterior do Farol, em anos de eleição costuma haver 50 sessões legislativas a menos que em anos comuns. De fato, em 2019 a Câmara dos Deputados teve 42 semanas com sessões aptas a votar matérias, totalizando 124 dias de real atividade deliberativa. Em 2020 as eleições devem diminuir o número de semanas ativas para 35, com aproximadamente 103 dias de sessões deliberativas.

A diminuição do número de sessões, contudo, não parece ser o problema mais sério, como examinaremos a seguir.

Gráfico1: Emendas à Constituição promulgadas por período presidencial (1989/2019)

Conforme se vê no gráfico 1, os segundos anos de mandato presidencial não mostraram desempenho inferior em termos de promulgação de emendas à Constituição. Considerando os governos típicos (exercidos pelo presidente e não pelo vice), FHC e Dilma tiveram mais PECs promulgadas em seus segundos anos (barra verde) do que nos primeiros (barra laranja). Quanto a Lula, nos dois anos o número foi o mesmo. Considerando que no primeiro ano de Bolsonaro houve seis emendas promulgadas (o terceiro maior valor da série, similar a outros três anos e inferior a apenas dois), poder-se-ia concluir que o bom desempenho é indicativo de um cenário futuro promissor.

Ao se considerar a natureza dos dispositivos das PECs, no entanto, o cenário otimista perde força. FHC aprovou em seu primeiro ano (1995) um forte programa de reformas: gás canalizado passou aos estados, extinguiu-se o tratamento privilegiado às empresas de capital nacional, abriu-se a navegação de cabotagem a estrangeiros, assim como realizaram-se as históricas quebras do monopólio estatal nas áreas de telecomunicações e de petróleo. No ano seguinte a agenda arrefeceu, destacando disposições sobre o Fundo Social de Emergência e o Imposto sobre Transações Financeiras (CPMF e sua família de nomenclaturas) e a criação do também positivamente disruptivo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef).

O presidente Lula, em seu primeiro ano de governo (2003), alterou a redação constitucional do artigo 192, que regulamentava o sistema financeiro, resolvendo um nó legislativo antigo; reformou a Previdência do servidor público; renovou a Desvinculação dos Recursos da União (DRU); e ainda dividiu recursos fiscais com estados. No ano seguinte a agenda teve peso similar, com a aprovação da PEC Paralela da Previdência, da reforma do Judiciário e da divisão da Cide sobre os combustíveis com os governos estaduais. No governo Dilma, até por ser uma continuidade do governo Lula em vários sentidos, as PECs aprovadas foram de menor importância, como a extensão da DRU e a aprovação do Sistema Nacional de Cultura (algo programático).

O alto número de PECs verificado no primeiro ano do governo Bolsonaro esconde interesses parlamentares importantes. De fato, a única PEC que enfrentou resistências consolidadas foi a da Previdência, pois outras vieram para atender pleitos parlamentares, como a extensão do orçamento impositivo, que fortalece o Congresso diante do presidente da República, e a que permite a transferência direta de recursos de emendas a municípios (sem passar por órgãos intermediários).

O gráfico 2 permite avançar nas reflexões.

Gráfico 2: PECs promulgadas por período presidencial – número anual e média para o mandato
O gráfico mostra que o governo FHC foi bastante transformador não só em qualidade, mas também em quantidade. Já no governo Dilma, a média de PECs foi próxima à observada no período FHC (as médias são mostradas nas barras horizontais ao longo dos mandatos). Mas, conforme exposto antes, foi qualitativamente mais tímida. Tal quadro indica que a ousada agenda reformista posta para o segundo ano do governo Bolsonaro precisará de um desempenho igual ou superior ao de FHC.

FHC apresentou alta taxa de sucesso na articulação no Congresso por apresentar, entre outras  características importantes, o apoio muito consolidado do seu partido (PSDB) e do aliado PFL, como aponta o trabalho clássico de Figueiredo e Limongi[1]. O PFL foi, em muitos casos, mais disciplinado e fiel ao governo que o próprio PSDB. Outro fator decisivo foi a distribuição bastante proporcional de cargos ministeriais aos aliados: quanto maior a bancada do partido aliado, mais cargos ministeriais.

Já o governo Bolsonaro, se considerada a articulação congressual, aproxima-se muito mais do cenário visto durante o governo Collor. Collor governou em boa medida isolado, e suas tentativas de distribuição de cargos ministeriais com vistas à construção de uma base sólida de apoio vieram tardiamente, quando já começava a se desenhar o exitoso processo de impeachment que ele sofreu. Bolsonaro, hoje, também se encontra isolado e, ainda por cima, sem partido.

O que diferencia positivamente o governo Bolsonaro? A novidade atual é a existência de uma coalizão legislativa (que não é uma coalizão de governo) que apoia uma pauta de reformas. Entretanto, sem o apoio de um governo que distribua consistentemente ônus e bônus aos seus apoiadores, o futuro da coalizão legislativa e sua capacidade de vencer uma pauta difícil defronta-se com vários problemas.

O primeiro deles é a própria priorização das ações. Como se sabe, diante de tempo e energia política escassos, definir prioridades é central. Assim, conforme se vê na imprensa, Rodrigo Maia tem como prioridades para o primeiro semestre reforma tributária, autonomia do Banco Central  e prisão em segunda instância. Para Davi Alcolumbre, as mudanças no sistema tributário  também deveriam ocorrer no primeiro semestre. Para Bolsonaro, assim como para o seu líder no Senado, Fernando Bezerra Coelho, as prioridades são reforma administrativa, regulamentação do saneamento e o Plano Mais Brasil, deixando a reforma tributária para o segundo semestre. Esse é apenas um exemplo da profusão de manifestações de prioridade para 2020. Essa dispersão é manifesta e contrasta com o foco e atenção exclusiva dada à reforma da Previdência em 2020.

O segundo ponto, que será visto apenas quando as propostas avançarem para o momento de deliberação, refere-se à consistência do apoio da coalizão. O apoio a propostas em tese é sempre conveniente e fácil para o mundo político. Contudo, quando as proposições caminham para as deliberações e vencedores e perdedores são definidos, os cálculos políticos ganham concretude. Nessa hora, poderá fazer falta a propensão do governo para distribuir cargos e para compartilhar com aliados o eventual sucesso advindo da aprovação das reformas, ingredientes que poderiam pesar a balança do custo-benefício a favor da agenda reformista. Também nessa hora será testada a real disposição dos parlamentares de assumir custos políticos, como cortes de gastos e de salários de servidores, ou a redução de serviços públicos, estimulados apenas pelo  conteúdo de proposições. Nessa hora, finalmente, também poderemos assistir a uma fragmentação de propostas (que em tese são “pacotes”, mas podem ser “fatiados” e modificados dentro do processo legislativo), a qual pode levar à sua descaracterização, à diminuição significativa do seu impacto ou mesmo à inviabilização da aprovação por perda de efetividade.

2020 será tempo de caminhos e descaminhos legislativos. Não há dúvida que a pauta apresentada no quadro 1 é ousada demais para o período de um ano, e talvez mesmo para um período inteiro de governo. As atenções voltam-se agora para identificar as prioridades que sairão do processo político, nas quais serão gastas as energias disponíveis. Uma certeza podemos ter desde logo: aprenderemos um pouco mais sobre esse processo, inédito no Brasil, em que o presidente da República deixa a cargo do Congresso a definição da sua agenda e a consecução total dos esforços para aprová-la. Essa será a real prova da liderança dos atores legislativos.

 

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