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OPINIÃO – Constituição da Paraíba completa 30 anos e foi elaborada em meio a disputa entre Burity e João Fernandes

Este mês, precisamente no dia 5, a atual Constituição da Paraíba estará completando 30 anos de promulgação. Até lá, a coluna estará fazendo um resgate de como foi este processo. A nova Constituição foi elaborada e promulgada em meio a um processo bastante tumultuado por uma disputa pessoal (e medição de forças) entre os então governador Tarcísio Burity, e o presidente da Assembleia Legislativa do Estado, João Fernandes da Silva.

“A rigor, o que João Fernandes queria era emparedar o governador Burity e criar um clima político. Burity não era obrigado a jurar a Constituição, necessariamente”. conta o advogado Irapuan Sobral, que – com apenas 26 anos – foi assessor direto do relator da Constituinte Estadual, Egídio Madruga.

Da equipe que participou diretamente da elaboração da Carta Magna Paraibana, o advogado Irapuan Sobral e o ex-deputado Ramalho Leite são os únicos vivos. Segundo Irapuan, as desavenças entre o governador e João Fernandes começou com a eleição da Mesa-Diretora da Casa de Epitácio Pessoa.

Nesta entrevista, Irapuan Sobral conta como se deu esse processo, relata curiosidades e fatos relevantes de antes e depois da promulgação da Constituição paraibana.

Eis a entrevista:

Em que contexto foram iniciados e realizados os trabalhos visando a elaboração da nova Constituição da Paraíba?

Irapuan Sobral – Havia uma cobrança da sociedade por uma Assembleia Nacional Constituinte que resgatasse o Estado Democrático de Direito. Eu lembro que era uma das propostas do MDB. Nos tínhamos um momento político constitucional de acefalia constitucional. A legislação foi ficando caduca, e as massas foram às ruas. Houve a abertura, o sindicalismo começou a aparecer com Lula (Luis Inácio Lula da Silva). Na década de 80 nós estávamos mais livres e, com essa liberdade, houve o pedido de uma Assembleia Nacional Constituinte. Tivemos o movimento das Diretas Já, muito bonito, com a Emenda Dante de Oliveira. A emenda foi rejeitada pelo Congresso. Em seguida veio a eleição de Tancredo Neves, embora ainda por um colégio eleitoral, numa negociação. A ditadura militar já não tinha mais resistência nem poder de fogo suficiente para se impor, porque havia uma rebeldia geral. Em 1979, o Congresso Nacional rejeitou uma emenda que restaurava as suas prerrogativas. Isso é inédito.

Quais foram os primeiros passos dados para a elaboração da Constituição da Paraíba, de 1989?

Irapuan – O primeiro minuto foi a eleição da Mesa-Diretora da Assembleia, quando houve a eleição do deputado João Fernandes, para presidente, disputando com Ramalho Leite, numa dissidência na bancada governista. Já se sabia, pela definição da Constituição Federal de 1988, os Estados teriam que fazer suas constituições. João Fernandes iria presidir a Constituinte, mas era um presidente dissidente.

E qual era o cenário local daquele período de preparação da Constituinte?

Irapuan – O governador de então, Tarcísio Burity, estava no segundo mandato. Veio pro segundo governo, mas sem as rédeas da ditadura nas mãos. Para o primeiro mandato, Burity foi nomeado governador biônico, indicado pelo general Reynaldo Almeida, filho do ministro e escritor José Américo de Almeida. Burity volta, eleito, muito bem votado num pleito direto, mas pensava que ainda tinha aquelas rédeas de 1979 a 1982, quando ele era governador biônico. Não tinha mais. Já tinha uma Assembleia respirando diferente. Ele teve que engolir isso.

Para a elaboração da Constituição Federal de 1988, foi formada uma Comissão de Notáveis. Na Paraíba também foi formada esta comissão?

Irapuan – Não. Aqui aconteceu o seguinte: promulgada a Constituição Federal, no dia 5 de outubro de 1988, imediatamente nós trabalhamos um Regimento Interno. E ai foram eleitos o relator e os relatores setoriais. O relator geral ficou sendo Egídio Madruga. Quando todos fazem suas tarefas e se junta, tudo foi entregue a Egídio Madruga. Ai é quando a gente entre pra sistematizar o trabalho. Um trabalho feito diretamente por Egídio, mas auxiliado por mim, por Laplace, Roosevelt Vitae. Eu tinha 26 anos.

E qual foi o seu papel neste processo?

Irapuan – Eu tinha a Constituição Federal na cabeça. Tina mesmo. Qualquer dispositivo eu sabia de onde vinha, como vinha. E tinha sistematizado, para mim, as origens.

Que tipo de pressões eram exercidas sobre a comissão que preparava a Constituição? Como se manifestavam sobretudo o poderio econômico para fazer valer as suas vontades?

Irapuan – Muitos. Vou citar um que era muito evidente e contemporâneo, que era a questão dos espigões (grandes edifícios) na orla marítima. Egídio Madruga discutiu muito isso e ele esteve com Hermano José – artista plástico – que era um sujeito muito humano. E Egidio resolveu dividir a parceria com Hermano José nessa questão dos espigões, e estendeu os limites previstos na Constituição para todo o Estado e não só para João Pessoa. Foi pra todo o litoral paraibano. Não se pode construir espigões em todo o Litoral da Paraiba, a partir de 200 metros da maré de sizígia (Nas luas nova e cheia, as forças gravitacionais do Sol estão na mesma direção das da Lua, produzindo marés mais altas e mais baixas, chamadas marés de sizígia). E nada disso (os limites para a construção dos espigões) tem a ver com ecologista nenhum. Tem a ver, sim, com o Hotel Tambaú, porque os não queriam concorrência com o Hotel Tambaú. Porque João Agripino – em cujo governo o hotel foi construído – incluiu limites na Constituição anterior. Os limites eram só no litoral, aqui, e foi estendido para todo o Estado – na nova Constituição. Hermano José falou com Egídio Madruga para não deixar que se construíssem os espigões, que seriam também prejuízo para a barreira do Cabo Branco. Ele levou um quadro dele com a barreira pintada.

Como foi aquele episódio em que o então governador Tarcísio Burity reagiu contra algumas questões incluídas na Constituição?

Irapuan – A rigor, o que João Fernandes queria era emparedar Burity e criar um clima político. Burity não era obrigado a jurar a Constituição, necessariamente. Ele já tinha feito, quando assumindo um mandato legítimo foi empossado. Ai pode-se alegar que era uma nova Constituição, um novo Estado. Mas era um novo Estado decorrente, autorizado. Outra coisa: o juramento exibido, por origem, era o da Constituição Federal, porque aquela estava fundando um novo Estado. A nossa era decorrente da outra. Então não precisava disso tudo. E João Fernandes queria emparedá-lo, humilhá-lo.

E ai, no que deu?

Irapuan – E ai que Burity devolveu e disse: “Eu não vou” (jurar), e não deu em nada. No dia seguinte à promulgação, em 6 de outubro de 1989, Tarcísio Burity, entrou com várias Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) perante o Supremo Tribunal Federal. Uma delas bem grande sobre a Constituição toda. Lembei agora que tinha um dispositivo específico, que era contra o cunhado de Burity, que era secretário de Saúde, que dava poder para a Assembléia autorizar a demissão de secretário de Estado. Isso é uma intromissão de um poder em outro poder. Acho que essa proposta foi de José Aldemir, deputado que tinha um quiproquó com o secretário Navarro. E ai tem um episódio curioso: para derrubar esse dispositivo específico, com um parecer, Burity contratou Pinto Ferreira, jurista pernambucano, que foi senador, um cara genial, que acabou excelente advogado e professor da Faculdade de Direito do Recife. Burity, em conluio com a turma da Faculdade de Direito e com o Tribunal de Contas, traz Pinto Ferreira a Paraíba; porque alguém, e não vou dizer o nome, porque já morreu, tinha cortado alguns poderes do Tribunal de Contas do Estado. Ai nós da comissão tínhamos como inimigos o Poder Executivo, o Poder Judiciário, porque havíamos cortado diversos pontos do Judiciário, tínhamos o Tribunal de Contas, porque havíamos podados o poder dele. Porque havia no texto proposto a expressão julgar contas, e nós tiramos o “julgar” e colocamos “apreciar” contas. E nos não tínhamos poder de poder coisa nenhuma, porque há uma regra constitucional de simetria de forma, e nós tínhamos que obedecer a regra federal para o TCE. Se a Constituição Federal dispunha sobre aquele assunto, nós não podíamos dispor de forma diferente sobre o mesmo assunto. Mas nós queríamos era confusão. E O Supremo derrubou.

Por que trocaram o termo “julgar” por “apreciar” das atribuições do Tribunal de Contas, qual era a intenção?

Irapuan – Porque julgamento poderia dar efeito de transitado, o que poderia, por exemplo, suscitar uma inelegibilidade ou coisa dessa natureza. Porque eles sacanearam com Wilson Braga, quando ele saiu: rejeitaram as contas de Braga. Mas Wilson terminou ganhando no STJ e eu advogando contra, inclusive.

Muito se diz, a propósito desse grande volume de a ADIs contra a Constituição que nossa Carta Magna original ficou só com a capa…

Irapuan – Não. Isso não procede. O volume de ações contra a nossa Constituição não é maior nem menor do que a dos outros Estados, e mais: se você for comparar as ações diretas de inconstitucionalidade contra a Constituição da Paraíba, contra as leis federais e contra a própria Constituição Federal, você verá que tem dispositivos da Federal que sofreram ações diretas de inconstitucionalidade. Isso é do jogo democrático. Só diz isso quem não viveu. Existe um lado romântico nessa história: era tudo o que eu queria, dizer que redigi uma Constituição. O texto é de várias pessoas, como eu, Anco Cirilo, Ângela Bezerra de Castro, que fez correções de português mas deu opiniões sobre a Constituição em si, Roosevelt Vita, Laplace, os deputados.

Que pontos da Constituição promulgada você – como membro desta importante comissão e como advogado – discordava?

Irapuan – Eu dei pareceres contrários a muita coisa, especialmente na área de administração pública. Eu achava que a questão do servidor público era muito extensa na Constituição. Isso engessa muito. Eu não digo nem pela tutela, pela pressão corporativa, mas pelo engessamento. Termina que a Prefeitura de Carrapateira, por exemplo, do ponto de vista constitucional é administrada do mesmo jeito que a Prefeitura de São Paulo. E elas não são as mesmas, as diferenças são enormes. Tamanho de salário de servidor, licitação, tudo espremido dentro da Constituição. Ai termina nessa confusão.

Você me disse que, no final, ficou com todos os livros. Que livros eram estes?

Irapuan – Eram os anais, com todas as emendas, com tudo. E eu ria porque havia gente que fazia mestrado e doutorado a respeito. Mas como, se os livros estavam comigo? E ficou comigo essa documentação.

Wellington Farias

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