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Brasileiros no Haiti relatam desafios do país um ano após terremoto

Hospitais em ruínas, sistema educacional precário e falta de perspectivas de emprego. Um ano após o terremoto que devastou o país mais pobre das Américas, relatos de brasileiros que vivem ou trabalham no Haiti mostram que a população está longe de superar os efeitos da catástrofe que deixou mais de 250 mil mortos e da epidemia de cólera que se seguiu, no ano passado.

“O Haiti ainda paga caro pelas conseqüências do terremoto e do cólera”, diz o pediatra Sérgio Cabral, que foi voluntário da organização humanitária Médicos sem Fronteiras (MSF) no Haiti no último mês. No país em que, segundo a Organização Internacional para Migrações, 810 mil sobreviventes do tremor ainda vivem em acampamentos, ele considera que este é o principal desafio a ser enfrentado.

Com o início de uma nova temporada de chuvas, em fevereiro, há o risco de que a doença volte a se espalhar no país, afirma o médico. “Um segundo pico da doença está em decadência, mas estamos em alerta que possivelmente deve vir um novo surto”, diz Cabral, segundo o qual a interrupção da ajuda externa a cada vez que diminuem os números da doença representam o maior risco ao país.

Na segunda-feira, a entidade divulgou um relatório em que critica a demora dos organismos internacionais para atender à emergência. “Embora o acesso geral aos cuidados básicos de saúde tem melhorado desde o terremoto, a rápida propagação da cólera em todo o país ressalta os limites do sistema de ajuda internacional para responder eficazmente às novas emergências”, diz o texto.

Desde o início da epidemia, os centros improvisados pela entidade em tendas trataram mais de 91 mil pessoas, segundo o relatório, entre os mais de 171 mil casos reportados no país.

Universidades arrasadas
Diretora do Centro Cultural Brasil-Haiti, ligada à embaixada do país em Porto Príncipe, onde vive desde 2008, a gaúcha Normelia Parise diz ter observado poucas mudanças no último ano. “Se você anda por aqui, observa que muitos espaços que antes eram usados para lazer se transformaram em acampamentos imensos, onde ainda convivemos com o mau cheiro, o lixo. Muitas lixeiras foram retiradas depois de terem sido usadas para bloquear ruas durante os três dias de manifestações após as eleições”, diz.

Professora de português em uma universidade local, Parise ressalta ainda o efeito devastador do tremor para a educação, após 9 das 14 universidades terem sido arrasadas. “A maioria ainda funciona em barracões de compensado e zinco, mas bibliotecas inteiras se perderam. Retomamos as atividades mas de forma muito precária. A falta de professores ainda é grande”, lamenta.

No país que tem 30% da população analfabeta, o que não diminuiu, segundo a professora, foi o interesse dos haitianos por atividades culturais. “Os jovens haitianos veem o estudo de línguas, por exemplo, como uma porta de saída para conseguir estudar, trabalhar”, diz. Segundo ela, as 500 bolsas de estudo colocadas à disposição pelo governo brasileiro recebeu mais de 3 mil inscrições.

Problemas já existentes
No Haiti desde 2009 para coordenar três projetos da organização Via Campesina de apoio a agricultores, José Luis Patrola vê a falta de moradia e de emprego como os principais problemas estruturais no Haiti, “que se agravaram com o terremoto”.

“Depois disso, caímos sobre um terceiro desafio que é estabelecer condições sociais como escola, alimentação, água e saúde para os atingidos pelo terremoto e para a maioria da população que não encontra esses serviços facilmente. A cólera já matou mais de 3,5 mil pessoas porque elas não bebem água potável”, enumera.

“O terremoto revelou uma série de problemas já existentes. Se eles não forem atacados, o Haiti jamais sairá da situação de pobreza extrema e entrará no caminho do desenvolvimento autônomo e soberano como nação”, diz.

Eleições
Apontada pelos organismos internacionais como uma das etapas para que o país conquistasse um pouco mais de estabilidade após o terremoto, as conturbadas eleições de 28 de novembro seguem indefinidas. Perto do fim do mandato, em 7 de fevereiro, o presidente René Préval ainda não tem sucessor.

O segundo turno, anunciado para este mês, acabou sendo adiado após denúncias de fraude e apelos por recontagem dos votos da primeira rodada pelos três principais candidatos.

Na opinião de Normelia Parise, a má organização do pleito não permitiu o maior número de votantes. “[A eleição] Foi realizada numa situação em que as pessoas perderam documentos. Os jovens que foram às ruas [para protestar], em sua maioria não tiveram oportunidade de votar.”

Para José Luis Patrola, os protestos pós-eleição foram um sintoma de um “povo em uma situação limite”. “O que está em disputal atualmente entre o atual governo haitiano e a comunidade internacional é quem seria o presidente mais capaz de gerir um país em crise depois de um terremoto devastador e submerso numa situação de pobreza extrema. O povo haitiano, mais cedo ou mais tarde, não aceitará tamanha situação de opressão e se rebelará. Sentimos isso no final do ano passado.”

G1

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