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Rapper MV Bill comenta sobre estreia em Malhação

MV Bill: Não fazer algo que sempre quis mudar seria uma contradição

 

De favelado perseguido, acusado de fazer apologia ao crime, a respeitado formador de opinião, MV Bill já foi chamado de muita coisa. Agora, atende também por ator de ‘Malhação’, mas atuou na vida como flanelinha e carregador de bolsa de madame, experimentou maconha, foi virgem até os 21 anos e, hoje, sua maior extravagância é almoçar e jantar em casa, com a mesa posta, em plena Cidade de Deus: ‘O dinheiro me proporcionou ter dignidade’.

“Mais um guerreiro do Rio de Janeiro buscando alternativa pra sair do coma brasileiro/ Considerado louco por ser realista, maluco e não me iludo com vidinha de artista (…) Televisão, ilusão tudo igual(…) O que você vai fazer agora pra mudar a regra?”. A letra faz parte do rap “A voz dos excluídos”, escrito por um futuro ator de “Malhação”. Algo parece estar fora da ordem? Não para MV Bill. O rapper e escritor, de 36 anos, nascido, criado, marginalizado, respeitado e reverenciado em sua Cidade de Deus, decidiu mudar a tal regra musicada e colocar a mídia a serviço de sua crítica social. Alguns podem até gritar em forma de protesto que “o cara entrou no esquema, mais um vendido pro sistema”. O que Alex Pereira Barbosa, o nome de batismo por trás do cantor de hip hop, considera fora de moda.

— Ao aceitar o convite, pensei que pudesse estar ajudando a modificar um formato do qual sempre discordei. Sempre critiquei as novelas, mas também me coloquei aberto a dialogar. Vi que havia uma disposição da Globo para mudar as coisas, estar mais próximo das pessoas que vivem no meu mundo. Não participar de algo que sempre quis mudar seria uma contradição — justifica MV Bill, que na novelinha adolescente será Antônio, um professor de matemática flexível com os alunos e linha duríssima com a filha Júlia (Dandara de Morais), num contexto em que se falará sobre periferia, romance interracial e bolsas estudantis.

MV Bill ainda não começou a gravar a nova temporada, que estreia amanhã, mas atuar não mete medo. É diretor e ator de seus próprios clipes, já fez cinema (“Sonhos roubados”, de Sandra Werneck), e está curioso. Afinal, quer conhecer o homem para o qual vai emprestar o corpanzil de 1,95m. É na Cidade de Deus que ele dá suas entrevistas, reside, escreve suas músicas e circula. E também tira fotos e dá autógrafos. Muitos.

_ Deveria ser normal me verem aqui, né? Por isso fico tão sem graça de fazer fotos aqui na rua. É uma coisa estranha isso, porque… pô, é a Cidade de Deus! — surpreende-se o cantor, que sabe que o assédio só tende a aumentar: — Até hoje sempre foi tranquilo, nada que fugisse ao respeito ou ao controle.

Se hoje o moço é festejado, o passado conta outra história. Em 1999, chamou atenção ao se apresentar no extinto Free Jazz Festival e apavorar todo mundo ao mostrar durante a música uma arma na cintura. Bill explica que era só um protesto pela paz. Em 2006, novo quiproquó. O rapper foi acusado de fazer apologia ao crime no clipe de “Soldado do morro” (Feio e esperto com uma cara de mal/ A sociedade me criou mais um marginal/ Eu tenho uma nove e uma hk/ Com ódio na veia pronto para atirar). A coisa só mudou de figura quando “Falcão, os meninos do tráfico” chegou ao “Fantástico”.

— Minha mãe fica feliz ao me ver nas páginas culturais. Antes, era só nas policiais — ironiza.
 

Dona Cristina, ex-doméstica dos condomínios da vizinha Barra da Tijuca, temia pelo filho.

— Passei por muitos perrengues. Fui flanelinha, carreguei bolsa de madame… Lembro que ia cantar e não tinha dinheiro. Sabia que minha mãe tirava de uma responsabilidade de casa para poder pagar meu ônibus, para eu não ter que passar por baixo da catraca e correr o risco de ir preso, ser machucado — conta.

A mãe criou os três filhos sob rédeas curtas. O pai, Paulo Roberto, separado da mãe, é um dos fundadores da Cidade de Deus. Andar tranquilamente na favela em que nasceu era para os amigos, armados, que se bandearam para o lado mau da força. MV Bill resistiu.

— O que sou se deve muito ao braço forte da minha mãe. Quando ela via que eu poderia estar pensando besteira, que poderia descambar para o outro lado, me colocava na rédea. Às vezes, dava uns tapas, botava de castigo, mas bastava olhar e falar grosso que já resolvia. Eu ficava p…, mas hoje dou graças a Deus por ela ter agido assim — conta ele, que não tem religião definida, não bebe, não fuma, dorme às 21h quando não tem show, mas chegou a experimentar maconha: — Não gostei, ainda bem, porque nem cheguei a experimentar outra droga. O que me salvou foi o medo. Passei por essa bifurcação do certo e errado muitas vezes. Ao mesmo tempo que tinha o lado sedutor de ver os caras com os tênis e roupas mais maneiras, cheios de mulher, pois estavam no tráfico, dava um cagaço porque também via o cara sendo preso e morrendo na mão dos próprios bandidos.
 

O rap entrou na vida de Alex através do filme “As cores da violência”, de Dennis Hopper. Era 1988, ele tinha 14 anos e ficou louco pela trilha feita pelo Public Enemy. Virou MV — mensageiro da verdade — Bill e teve o ídolo como parceiro no último disco:

— Não sabia inglês, mas na época tinha uma revista que trazia as letras traduzidas. O rap foi a saída para mim.
Aluno mediano — ele completou o primeiro grau —, MV Bill gostava mesmo era das aulas de português.
 

 Era aquele aluno que viajava na maionese, mas adorava escrever redação. A Tia Nair elogiava meus textos, mesmo com os erros de pontuação e ortografia, lia lá na frente da sala. Cada vez que chamava minha mãe na escola, ela achava que era problema, mas a professora dizia que eu tinha dom artístico. Minha mãe retrucava: “Dom artístico o escambau! Esse menino tem que estudar!” — recorda.

Se estivesse viva, Tia Nair teria orgulho do menino apelidado de Bill porque tinha cara de rato, era desajeitado e não tinha jeito com as meninas. Tanto que só perdeu a virgindade aos 21 anos.

— Todos os meus amigos transaram com 13, 14 anos. Eu era o feio. Hoje em dia, até o feio arruma uma tampa para sua panela, mas naquela época… Meu pai nunca me chamou de gay, mas chegou a insinuar. Ele dizia: “Vai arrumar uma mulher, me enche de neto!”. Mas, cara, não queria transar e ser pai. Achava que isso sempre acontecia. Quando transei pela primeira vez, meus amigos já tinham pelo menos dois filhos.

Queria uma namorada, não ser pai. Quando descobri que era possível ter mulher e não engravidá-la, aí sim! — explica o cantor, casado há seis anos com a jornalista Vivian Reis, e ainda sem filhos.

A grana que entrou após a fama é destinada aos projetos sociais, ao selo próprio, aos documentários e até a uma grife. Ele vende, pela internet, roupas e acessórios no estilo hip hop.

— Um amigo meu tinha uma confecção e pediu para tirar minhas medidas. Pô, nunca ninguém tinha feito isso! Comprava roupa gringa, tamanho XXXL. Agora uso GGG e calço 45. Imagina antigamente! Sempre usava roupa curta e tênis dois números menores. Sorte que minha avó era doméstica na casa de um lutador de boxe e eu herdava os calçados velhos dele — descreve, sem qualquer ponta de tristeza ou mágoa: — Hoje posso contar isso com um sorriso no rosto. Estou longe de ser milionário, mas o dinheiro me proporcionou ter dignidade. Tomar café, almoçar, jantar na mesa, com a família reunida, sem passar necessidade. Isso era o que mais queria: não passar vontade.
 

” Estou longe de ser milionário, mas o dinheiro me proporcionou ter dignidade. Tomar café, almoçar, jantar na mesa, com a família reunida, sem passar necessidade. Isso era o que mais queria: não passar vontade”.

 

G1

 

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