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Diva do cinema marginal, Helena Ignez estreia como diretora em Gramado

A prostituta Janete Jane, de “O bandido da luz vermelha” (1968) e Ângela Carne e Osso, “a mulher dos homens boçais”, de “A mulher de todos” (1969), fizeram da atriz baiana Helena Ignez diva absoluta do cinema marginal. Agora, aos 67 anos, a musa dos filmes de Rogério Sganzerla desce do pedestal e estreia como diretora de longa-metragem com “Canção de Baal”, que será exibido nesta segunda-feira (10), na mostra competitiva da 37ª edição do Festival de Gramado.

 

 

Livre adaptação da peça escrita pelo alemão Bertolt Brecht, a produção é considerada pela cineasta a “continuação de um caminho”. “Brecht é um dos formadores do meu pensamento artístico. Não só do meu, mas do Glauber também. Fizemos um trabalho pioneiro sobre o autor quando estudávamos teatro em Salvador, no final dos anos 50”, conta Helena, que foi casada com o diretor do clássico “Terra em transe” (1967), e atuou em seu primeiro filme, o curta “O pátio” (1959).

Baal, poeta irônico em busca de uma vida libertina, é interpretado pelo ator Carlos Careqa. O elenco também conta com as atrizes Simone Spoladore, Beth Goulart e Djin Sganzerla – filha de Helena e de Sganzerla, com quem foi casada por 35 anos, até a morte do cinesta, em 2004.

 

“Um crítico italiano que viu ‘Canção’ em Cannes disse que é uma declaração de amor às mulheres. Mas o que eu quis foi falar sobre o machismo”, revela a diretora. “E não considero o filme feminista, porque o comportamento das mulheres também é posto à prova. De certa forma, elas são vítimas e algozes nesse jogo cruel”.

Tarantino

“Canção de Baal” foi exibido em mostra paralela na útlima temporada do Festival de Cannes, em maio deste ano. Foi lá que Helena recebeu um tributo inesperado: o de Quentin Tarantino.

O diretor americano procurou a atriz para falar de “O bandido da luz vermelha”. “Tarantino veio me dizer que é fã do Sganzerla e fascinado pela trilha sonora o filme”, relembra, cheia de orgulho.

Além da música, a atuação de Helena Ignez contribuiu para que o longa se tornasse o símbolo maior do cinema marginal, corrente alternativa dos anos 60 e 70, que tem entre outros representantes, “Matou a família e foi ao cinema” (1969), de Júlio Bressane.

A performance livre e debochada de Helena como Janete Jane, a amante do bandido vivido pelo ator Paulo Villaça, é considerada por especialistas como uma reinvenção do modo de interpretação feminina no cinema. “Nunca fui uma atriz intuitiva, sempre busquei o estudo, a técnica”.

 

Dirigida por Glauber, Bressane e Sganzerla, Helena diz que sua técnica como diretora em “Canção de Baal” tem pouco da escola cinematográfica do qual foi musa. “Fiz uma produção livre, sem contar com dinheiro público e não tenho cobrança por uma grande bilheteria. Nesse sentido, meu filme se parece com o cinema marginal e o cinema novo”.

Preconceito com o teatro

Para Helena Ignez, a mistura de teatro e cinema de “Canção de Baal” é o que falta às produções atuais. “Existe uma formação teatral muito pequena por parte dos cineastas hoje. Vou além e digo que há até um certo preconceito”, opina. “O resultado disso são diálogos fracos e roteiros dramaticamente mal explorados nos filmes”, completa Helena, sem citar nomes.

Elogio, ela faz ao documentarista Joel Pizzini, pelo trabalho em “500 almas” (2004). “Joel é um pensador do cinema”, opina. “Também gosto do Walter Salles, que tem um caráter especial, uma personalidade renascentista”.

Nada que se compare ao brilhantismo de Glauber e Sganzerla. “Tive a sorte de conviver com dois gênios. Mas a genialidade é companheira íntima da tragédia. Caso desse aqui…”, diz ela, apontando para sua camiseta estampada com o rosto do roqueiro Jimi Hendrix. “A genialidade parece que atrai a destruição, seja em forma de morte prematura, loucura…”

 

Tal qual os homens geniais com quem conviveu, Helena Ignez alcançou o sucesso muito cedo. “Aos 24 anos eu era uma estrelinha. Já tinha feito tanta coisa que me sentia velha. E sucesso na juventude é uma desgraça”, reflete.

Nos anos 80, reencontrou o equilíbriu que a fama e a perseguição da ditadura haviam tomado através da prática diária de tai chi chuan e dos estudos do taoísmo. “Nunca fiz terapia, nem tomei antidepressivo. Nem mesmo nos piores momentos, quando o Rogério estava morrendo”, garante. “Não sou religiosa. Deus para mim é um sentimento, não essa entidade cheia de características humanas que as pessoas acreditam”.

Coronelismo baiano

Aquela que foi a musa do cinema como forma de revolução, atualmente vive em um apartamento com vista para o Pão de Açúcar, no sossego do bairro da Urca. Mas sempre vem a São Paulo trabalhar em sua produtora, no centro da capital, cujas paredes são tomadas por pôsteres de filmes de Sganzerla. “Ele é meu eterno namorado”, declara, com um meio sorriso.

 

Com sua terra natal, mantém uma relação de amor e ódio. “Fiz as pazes com Salvador. Mas a alta sociedade baiana, no tempo da minha juventude, era de uma sordidez inacreditável. E não mudou muita coisa”, opina. “Talvez, o problema seja essa herança coronelista que se estendeu até o último instante, com o maior coronel da Bahia, que foi o Antonio Carlos Magalhães”.

Após lançar “Canção de Baal”, Helena dará início às pesquisas de um documentário sobre a maconha. “Sou a favor da descriminalização como forma de diminuir a violência. Mas meu filme não será pró-maconha”, ressalta.

Antes disso, a atriz aguarda ansiosa a continuação de “O bandido da luz vermelha”, que deve estrear em 2010. “Luz nas trevas – a volta do bandido da luz vermelha”, do diretor Ícaro Martins, traz o cantor Ney Matogrosso no elenco.

Helena Ignez faz uma rápida participação especial em cena. Mas não como a inesquecível Janete Jane. “Nem pensar! Seria muito saudosismo. E desse mal, eu nunca sofri”.

 

G1

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