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Conto de sábado: “A morte e a morte dos esquecidos pelo mundo”

Eu nasci no Níger, um dos países mais pobres da África. Tenho medo de falar meu nome e descobrir quem realmente sou, por isso omiti minha identidade até esquecê-la. Posso falar que venho de uma prole de oito. Sou a mais velha. Tenho dezesseis anos e já fui estuprada por três homens. Não lembro a última refeição descente que fiz. Meu pai morreu assassinado pelo extremismo religioso e não sei onde minha mãe se encontra com meus irmãos.

Hoje estou à deriva numa barca improvisada com o sonho de chegar a um país da União Européia. Não sei o nome desse oceano que singro. Apenas tento continuar a ser viva. Ao meu lado jaz um homem de meia idade, com feições de sofrimento, embora esteja impávido e colosso. Falam que morrera de varias complicações. Não entendo muito.

Uns afirmam que sua morte foi resultante da hipotermia. Pelo meu conhecimento de mundo, ele partiu vítima do frio. Uma senhora que está espremida do outro lado da embarcação diz que o defunto perdeu seu bem único por ter desidratado até secar totalmente. No meu país isso se chama sede.

Um erudito sírio que foge da guerra que devasta seu país fantasma, em tom professoral, afirma: inanição foi a causa mortis. E morte tem nome difícil assim? Não me intimidei e berrei: foi fome mesmo…! Por fim, vejo uma ilha. Falam ser Lampedusa. Seja como for, ela tem cheiro, nome e sobrenome de vida.

Mas aquela onda? Por Allah, estou na água fria e escura. Ouço gritos em idiomas que desconheço. Meus pulmões se comprimem e fico tonta. Estou morrendo sem saber o que sou e quem sou. Como disse, tenho medo de falar meu nome. Agora vou. Foi um prazer você ter me escutado.

Eliabe Castor
PB Agora

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