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Bethânia lança dois novos álbuns

É o amor de novo. Maria Bethânia já interpretou canções dessa vertente incontáveis vezes em discos e palcos, mas pela primeira vez na carreira vem com um álbum todo dedicado ao tema: Tua (Biscoito Fino). Paralelamente, ela lança Encanteria, por seu selo Quitanda, que tem um toque “mais brincalhão”, como ela diz. Ambos só com canções inéditas, os CDs têm conceito e sonoridades diferentes, mas complementares.

Enquanto gravava Tua, Bethânia acumulou tanta música de seu agrado – como as 15 de Roque Ferreira, das quais escolheu 7, outras de Paulo César Pinheiro, Roberto Mendes, Vanessa da Mata, Consuelo de Paula, Vander Lee, Jaime Alem -, que não cabiam na concepção do CD, que sentiu necessidade de registrar outro. Encanteria contém essas “sobras”, no bom sentido, daquilo que ela pensa, sente e está “gostando no momento”. Daí a necessidade do lançamento simultâneo, como fez com os tocantes Mar de Sophia e Pirata, em 2006.

 

Cantar mais uma vez o amor – tema mais comum e surrado das canções no mundo inteiro – pode parecer redundante, mas não é. “O amor que eu quis, não é o amor entre duas pessoas, o amor romântico, mas o panorama todo do amor, em todas as situações que ele causa e principalmente a coisa do ‘amor, festa e devoção’. Essas são as três palavras de ordem da vida de minha mãe. E isso tem um subtexto dela, por ser muito religiosa, que é fé, esperança e caridade”, diz Bethânia. Estas recaem mais sobre Encanteria.

 

Para fazer um disco com esse amor em todas as circunstâncias, Bethânia “precisava de repertório renovado, queria saber como estava a composição no Brasil, queria saber da sonoridade para esse tipo de canção hoje”. Quem deu essa sonoridade foram músicos da excelência do pianista João Carlos Assis Brasil, do bandolinista Hamilton de Holanda, do acordeonista Toninho Ferragutti, do guitarrista Victor Biglione, de Paulinho Trompete.

 

“Tive a felicidade de poder contar com esses solistas, que são as vedetes dos meus discos”, diz. “Isso é patrimônio nacional. Eles fazem os discos deles, extraordinários, mas que não têm essa entrada no Brasil. Aí com uma cantora, um vocalista levando, aquele som anda mais, tem mais caminho.”

 

Outros convidados especiais são Gilberto Gil, Caetano Veloso e Lenine. Os dois conterrâneos dividem os vocais com ela na bela e suingada Saudade Dela (Roberto Mendes/Nizaldo Costa), homenagem à santamarense Dona Edith do Prato, que morreu em dezembro de 2008 aos 94 anos. Lenine canta com ela Saudade (Chico César/Paulinho Moska).

 

Ter a participação de Caetano e Gil (“não poderia fazer essa homenagem sozinha jamais”), dos Alunos da Orquestra Portátil de Música (na faixa-título, de Paulo César Pinheiro e em Festa na Bahia, de Roque Ferreira) e da cavaquinista e arranjadora Luciana Rabello (em Coroa do Mar, também de Ferreira), fez com que Encanteria se transformasse num disco “de uma força tão grande”.

 

Além disso há a canção Sete Trovas, parceria de Consuelo de Paula, Etel Frota e Rubens Nogueira. “Eu me emocionei com essa menina. Todo mundo me fala que fica impressionado com essa música. Aí tem uma homenagem embutida na letra, que cita Mel, Talismã e Rosa dos Ventos (títulos de discos de Bethânia). Ela é danada. E que musicalidade, que sinceridade, que canção espontânea”, elogia.

 

Além da mineira Consuelo, Bethânia coloca em evidência dois novos baianos de Santo Amaro da Purificação, que ela também não conhecia. São Nizaldo Costa, letrista de Saudade Dela, e Nélio Rosa, parceiro de Márcio Valverde em Você Perdeu, uma das faixas de Tua. Com faixa-título assinada por Adriana Calcanhotto, o CD concentra maior número de compositores já contemplados por Bethânia em outros álbuns como Moacyr Luz e Aldir Blanc (Remanso), Arnaldo Antunes (parceiro de César Mendes em Até o Fim), Paulo César Pinheiro (que divide É o Amor Outra Vez com Dori Caymmi), o também santamarense Roberto Mendes (que assina O Nunca Mais com Capinan).

 

O dueto com Lenine é um dos pontos altos de Tua. “Lenine pra mim é o melhor cantor, sem sombra de dúvida. Acho que ele canta muito bonito, muito certo, que me pega como Nana (Caymmi)”, diz Bethânia. “Queria um homem pra dividir aquela canção, que quando Chico César fez com Moska me mandou com os dois fazendo vozes. E eu queria a voz, a inteligência e a sofisticação musical do Lenine. É uma beleza ele cantando.”

 

Depois de Caetano Veloso, Chico Buarque e Roberto Carlos, Roberto Mendes é o compositor mais gravado por Bethânia. Roque Ferreira entra agora para a seleta lista, como grande destaque do cancioneiro registrado nestes dois álbuns. Antes Bethânia tinha gravado Lágrima e Santo Amaro, em seu projeto sobre as águas. “Roque é um compositor pródigo, danado, você pede uma canção ele manda 15, tudo inédito e tudo lindo, tudo bem composto, com sentimento, tudo direitinho. Ele apresenta bem a canção, ele canta bem, sabe criar a harmonia, ele já apresenta de maneira irrecusável”, elogia.

 

Como os dois são amigos, algumas letras, como a de Domingo, surgiram de conversas despretensiosas com Bethânia. “Só que como encontro sempre com ele, foi fazendo uma série, e eu achando graça. Vendo meu gosto pelas outras gravações que faço, nos meus espetáculos, ele fez guarânia, xote, samba.”

 

Bethânia já vem ensaiando o novo show, que vai começar pelo Rio no dia 23 e chega a São Paulo no dia 30. O roteiro deve mesclar a maior parte das faixas dos dois álbuns. Além desses, Bethânia também gravou um terceiro que vai doar para algumas escolas públicas. São canções e textos, alguns inéditos em sua voz, de poetas da literatura portuguesa e brasileira e portuguesa. “Acho que é útil para adolescentes de 12 a 18 anos aprender nossos poetas.”

 

Variações de uma mesma fonte

 

O ponto de partida é o mesmo: com suavidade, o intimista Tua e o caloroso Encanteria decolam com o toque dos pianos de João Carlos Assis Brasil e Cristóvão Bastos, respectivamente. Daí para a frente, porém, cada um envereda por caminhos próprios até desembocar em duas : Domingo (Roque Ferreira) e Sete Trovas (Consuelo de Paula/Frota/Nogueira).

 

Ambas são bem representativas do universo lírico de Bethânia, revelando, por parte dos autores, profundo entendimento de sua personalidade, que, como de hábito,impressa em cada faixa dos CDs. No movimento de vai-e-vem de fora para dentro e de dentro para fora, há mergulhos profundos no interior geográfico – pela polirritmia nativa ao som de tambores, viola, acordeom, e paisagens naturalistas – e no íntimo da pessoa íntegra, viva em ambientes onde há espaço para o silêncio. A participação de outros músicos quebra a hegemonia da estética Brasileirinho, que Bethânia quer do maestro Jaime Alem.

 

O Que Eu Não Conheço (Jorge Vercillo/Jota Velloso) começa com o verso “O mais importante do bordado é o avesso”. A frase é de Angela Dumont, uma das bordadeiras que produziram o vistoso material utilizado na arte gráfica do CD Pirata. Por isso a faixa é dedicada a ela. A balada-blues Fonte (Saul Barbosa/Jorge Portugal, também baianos) remete a Roberto Carlos. No fim, tudo expressa fé no amor, seja por devoção ou se espraiando em alegria. São belezas da mesma fonte, que Bethânia explora coerentemente.

 

Estadão

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