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OPINIÃO: 500 mil mortos e um balanço da CPI da Covid-19

Logo no início da pandemia, em 2020, o governo federal deu o tom da confusão. O Brasil é uma República Federativa que tem quatro entes federados: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Quando a pandemia começou, levou-se ao Supremo Tribunal Federal a questão: quem deve decidir em matéria de medidas sanitárias para lidar com a pandemia?

Se o STF não se manifestasse sobre essa questão, haveria uma confusão entre as decisões dos entes federados. Acertadamente, o STF decidiu que a atribuição deveria ser compartilhada entre os entes. A partir disso, governadores e prefeitos – que conhecem a realidade de sua localidade mais de perto – puderam tomar medidas restritivas.

Imagine a situação se o STF tivesse deixado nas mãos do governo federal decisões uniformes para um país de dimensões continentais. O resultado teria sido o colapso da saúde em diferentes lugares em momentos diferentes. O Supremo acertou também ao dizer que o governo federal deveria coordenar um esforço conjunto entre os entes para lidar com a crise pandêmica.

Contudo, o que vimos por parte do governo federal foi a disseminação de uma interpretação da decisão do Supremo distorcida e falsa: “o STF proibiu o governo federal de agir com relação à pandemia e tornou a União um ente financiador das decisões de governadores e prefeitos”.

Se não bastasse turvar o cenário público com uma interpretação dessas, em mais de um ano de pandemia o que vimos semanalmente por parte do governo federal foi: negação das melhores evidências científicas até então conhecidas, atraso na compra de vacinas e uma narrativa institucional que culpasse o STF e governadores e prefeitos pelas consequências do período pandêmico.

Sem contar na sabotagem das decisões dos ministros da saúde, as declarações de relativização da tragédia pelo Presidente e a atitude de promover aglomeração para alcançar a imunidade de rebanho a partir da ética da sobrevivência do mais forte.

Não que governadores e prefeitos tenham sempre acertado. Pelo contrário, em caso de indício de ilícitos de governadores e prefeitos, as Assembleias Legislativas dos Estados e as Câmaras de Vereadores devem, respectivamente, investigar os responsáveis e sugerir, em caso de crime, o oferecimento de denúncia pelo MP.

Contudo, no contexto federal, a instalação da CPI da Covid-19 foi um avanço importante para a transparência dos atos do governo federal no combate à pandemia de coronavírus. Em mais de dois meses de depoimentos, iniciados em abril de 2021, já se percebe que a maioria das falas testemunha o negacionismo do governo federal já amplamente conhecido.

As novidades ficam por conta da formação de gabinete paralelo de aconselhamento do Presidente, menção a mudar bula da cloroquina, a demora para responder a oferta de vacina da Pfizer ainda em 2020, a recusa de ofertas de Coronavac, e a demora para lidar com a crise de falta de oxigênio do estado do Amazonas.

Talvez a característica mais sintomática da atitude do governo federal foi a falta de uma mínima humildade esperada de uma liderança política. O Presidente e seus ministros “lacraram” sobre a vacina chinesa, zombaram do uso das máscaras e indicaram medicamentos sem eficácia comprovada. Todo mundo erra. Contudo, a incapacidade de reconhecer os próprios erros levou à repetição dos mesmos desvirtuamentos por mais de um ano.

E que ninguém se engane: se o governo federal estivesse preocupado com a economia, teria sido o primeiro a importar vacinas aprovadas em países sérios. Contudo, o que vimos por meses foi a “política da lacração” sobre as vacinas que só parou quando o estado de São Paulo aplicou a primeira dose.

De fato, a triste estatística de 500 mil mortos por Covid-19 não pode ser atribuída a um agente político ou a um ente da federação. Nesse ponto, a CPI da Covid-19 parece errar a mão. Toda CPI tem uma dimensão política, mas essa talvez seja a CPI mais politizada nos últimos tempos no Estado brasileiro.

O relator, que deveria assumir um papel de certo afastamento para analisar os depoimentos e dados objetivos de forma mais imparcial, chegou a associar a política federal ao nazismo. Outros senadores falaram de uma política deliberada de genocídio populacional. Outros depoentes foram à CPI com o intuito de tornar a Comissão tão-somente em palco político, como no caso do ex-governador do Rio de Janeiro.

A CPI da Covid-19 acaba se tornando um palco de conflitos e perde parte de seu caráter investigativo. E com isso não consegue se comunicar com parte da população que esperava uma investigação mais objetiva para formar uma opinião mais crítica.

A história dos anos 2020 e 2021 não amenizará o teor sobre os fatos negacionistas e suas consequências por parte do governo federal. A história também vai lembrar da mais politizada CPI dos últimos anos. Se outros caminhos tivessem sido tomados, talvez os danos da pandemia tivessem sido menos devastadores.

Espero que essa marca de 500 mil mortos por Covid-19 no Brasil não seja reduzida a um número para disputa de narrativa política. Pois se perdemos a capacidade de lamentar e nos entristecer com tamanha perda, já não nos resta mais nada.

Anderson Paz

PB Agora


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